O ator, aposentado desde 2021, continua a assumir-se como um otimista, apesar dos vários problemas de saúde que tem enfrentado.
Aos 60 anos, Fox finalmente reformou-se
18/03/2022 - Michael J. Fox estava no melhor momento da sua carreira. Depois de ser Alex Keaton, o jovem conservador de “Quem Sai aos Seus”, criou um clássico instantâneo em “Regresso ao Futuro”. Continuou a brilhar em episódios da série familiar até 1989 e a trabalhar nas sequelas do filme. Pelo caminho, foi sentindo pequenas mudanças no corpo.
Nada de muito assustador ou grave. Ainda um jovem de 20 e muitos anos, começou a sentir um pequeno tremor no dedo mindinho. Fox não desvalorizou o sintoma e submeteu-se a vários exames, que deram um resultado improvável. O ator fazia parte dos diminutos quatro por cento de pacientes com Parkinson cuja doença é detetada ainda antes dos 30.
“Não sabia o que esperar, mas uma das coisas que recordo e pela qual sempre irei amar a Tracy [a sua mulher] é que nem sequer pestanejou”, recorda sobre o momento em que revelou o diagnóstico à mulher com quem casou em 1988. Hoje, com 60 anos, continua a resistir à doença e descreve-se como o “Senhor Otimismo”. Curiosamente, nunca deixou de trabalhar nas últimas três décadas.
Durante muito tempo, poucos conheciam o diagnóstico que recebeu em 1991. Mais precisamente, durante os sete anos em que Fox conseguiu ocultar as debilidades físicas. Foi, contudo, incapaz de esconder o efeito psicológico provocado pela doença e promessas dos médicos, de que seria incapaz de manter a sua profissão dentro de poucos anos.
Fox recolheu-se e entregou-se ao álcool e à depressão. Durante dois anos a carreira ficou em pausa e a ausência despertou a curiosidade da imprensa e, sobretudo, dos paparazzi. “Ficavam à frente da minha casa a chatear-me. ‘O que é que se passa contigo?’, gritavam. Percebi que não podia obrigar os meus vizinhos a passarem por isto, por isso decidi assumir tudo. Foi uma coisa fantástica.”
Esse período entre 91 e 93 foi um dos mais negros da vida do ator. “A minha primeira reação [ao diagnóstico] foi começar a beber muito. Costumava beber nas festas, para me divertir, mas nessa altura bebia sozinho, todos os dias.” A depressão é também comum em pacientes com Parkinson, sobretudo devido “à degeneração nos circuitos cerebrais, na dopamina, serotonina e epinefrina”, explica um especialista à “People”.
Como Alex Keaton em “Quem Sai aos Seus”.
Fox aproveitou para se tornar num embaixador da doença, uma cara famosa para ajudar a promover o conhecimento e os tratamentos para uma condição da qual, ainda hoje, se sabe muito pouco. Sabe-se que existe um fator genético que a pode causar, mas as origens são ainda muito difusas. Um dos dados que saltou para o debate com a confissão do ator foi o facto de fazer parte de um grupo de pessoas que sofrem de Parkinson desde muito cedo.
Em 1978, Fox participou numa série canadiana chamada “Leo and Me”, tinha apenas 17 anos. Outros três elementos — o realizador, um câmara e um argumentista — também foram diagnosticados com Parkinson, o que gerou muitas discussões sobre potenciais causas da doença.
O ator canadiano-americano haveria de abordar o tema em várias ocasiões, mas nunca gastou muita energia a tentar perceber o que poderia explicar o surgimento da doença. Até porque ela não iria a lado nenhum. “Consigo imaginar milhares de cenários: costumava ir nadar num rio junto a fábricas de processamento de papel e comia o salmão que apanhava; visitei imensas quintas; fumei imensa erva no liceu quando o governo envenenava as culturas. Mas podemos ficar loucos se tentarmos descodificar tudo isso”, explicou em 2020.
A contrariar todas as opiniões médicas, Fox continuou a trabalhar e a fazer filmes, embora sem o fulgor da carreira pré-diagnóstico. Na vida privada, pouco mudou. Ou melhor, tudo mudou: o casal teve o primeiro filho, Sam, em 1989; seguiu-se o par de gémeas em 1995 e a filha mais nova, já em 2001.
“As pessoas sentiam-se estranhamente confortáveis em perguntar-nos se estávamos preocupados com o facto de termos mais filhos, enquanto lidávamos com uma imprevisível escalada de uma grave doença neurológica. Se não tínhamos medo de que os bebés pudessem herdar a doença”, revelou o ator nas suas memórias lançadas em 2021. “A questão era totalmente desapropriada, mas a resposta era só uma: se nós não estávamos preocupados, eles também não deveriam estar.”
Para combater a doença tanto quanto possível, criou a Fundação Michael J. Fox, que desde 2010 financia investigação e terapias focadas não só na cura mas na melhoria da vida dos pacientes. Estima-se que, desde a sua criação, tenha angariado mais de mil milhões de euros.
Infelizmente para Fox, a doença começou a ser cada vez mais notória e a afetar aquela que acreditava ser a sua melhor ferramenta como ator, as expressões faciais. “A minha cara começou a regredir, a tornar-se passiva, quase congelada”, recorda do momento em que decidiu abandonar a série “Spin City” e interromper a carreira. Não faria mais papéis a tempo inteiro, mas isso não o impedia de, ocasionalmente, fazer aparições aleatórias em projetos. Os convites não faltavam.
Colaborou em vários episódios de “Scrubs”, emprestou a sua voz em “Stuart Little 2” e até colaborou em videojogos sobre a saga “Regresso ao Futuro”. “Descobri que conseguia evitar focar-me nos sinais externos e parar de tentar esconder os sintomas”, recorda. Na série de comédia, assumiu o papel de um médico com transtorno obsessivo-compulsivo, o que ajudou a disfarçar a condição.
(Vídeo na fonte)
“Ao invés de tentar ser perfeito, assumi trazer a Parkinson comigo para o estúdio. Ajudou-me a sentir-me mais livre para me concentrar na tarefa principal de um ator, tenha ele ou não condições físicas, que é a de descobrir a vida interna de outro ser humano. Coloquei todo o ênfase nas vulnerabilidades da minha personagem e não da minha própria pessoa. Isso fez com que pudesse fazer desaparecer a doença.”
Nunca mais fez parte do elenco fixo de uma série ou filme, mas em 2009, aceitou um papel recorrente em “The Good Wife”, ao assumir uma personagem com um problema neurológico semelhante a Parkinson. O papel valeu-lhe enormes elogios e três nomeações para os Emmys. E para quem estava mais desligado da arte por causa da doença, a verdade é que Fox queria muito continuar a trabalhar. Em 2012, estreou “The Michael J. Fox Show”, uma série inspirada na sua vida, mas que foi cancelada ao fim de 15 episódios.
O ator foi sempre um exemplo de resiliência, pelo menos até 2017, quando várias quedas o levaram ao hospital e a um novo diagnóstico: um tumor na coluna vertebral estava a crescer e a causar-lhe problemas nos movimentos. Submeteu-se a uma cirurgia para a remoção, mas os riscos eram altos: um passo em falso e Fox poderia ficar paralisado.
De repente, o Senhor Otimista estava assustado. “Tinha este medo de acordar e perceber que a minha vida ia ser completamente diferente”, recordou no seu livro de memórias, lançado em 2021. “Muitos cirurgiões não me queriam tocar, porque achavam que era uma situação que não podia acabar bem. Era muito arriscado.”
(Vídeo na fonte)
Quando conheceu Nicholas Theodore percebeu que queria mesmo avançar com o procedimento e que seria ele o seu cirurgião. “Quando falei com ele, disse-me que percebia porque é que ninguém me queria operar. Aproximou-se de mim e sussurrou: ‘Quem é que quer ser o tipo que paralisa o Michael J. Fox?’. E eu disse-lhe: ‘Se tem tomates para me dizer isto, então tem que ser o meu cirurgião.”
A operação foi bem-sucedida, mas a recuperação foi outro obstáculo difícil. Teve que reaprender a caminhar e a saúde ficou mais debilitada, já sobrecarregada com o peso da doença de Parkinson. Poucos meses depois, uma queda em casa resultou numa fratura no braço que obrigou a colocar 19 parafusos para estabilizar o uso do membro.
“Por estranho que possa parecer, o tumor e o Parkinson eram mais fáceis de aceitar do que a fratura. Essa crise surgiu num instante, como uma explosão. Um cataclismo. Estava completamente impreparado para o que se seguiria e o meu ânimo desvaneceu-se.”
Apesar do regresso do fantasma da depressão e com a saúde a deteriorar-se, Fox continuou a aceitar convites para trabalhar, mesmo com as contínuas falhas de memória e dificuldades na fala, atenuadas por uma intensa medicação. Acabaria por anunciar a reforma no final de 2020, com 59 anos.
“Cheguei a um ponto em que não podia confiar na minha capacidade de falar, o que significava que já não me sentia confortável a interpretar. Foi por isso que decidi reformar-me”, explicou um ano depois da decisão de deixar de vez a profissão. A viver uma vida mais privada, é várias vezes confrontado com a mesma questão: está à espera da descoberta da cura para a doença? “Tenho 60 anos e a ciência é uma coisa difícil”, explica, antes de ir direto ao assunto. “Não.” Fonte: Nit, com fotos e vídeos.
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