Estudo mostra que
treinamento muscular inspiratório pode ajudar o organismo a se
adaptar melhor a mudanças posturais provocadas pelo Parkinson
28/07/2025 - De
repente, o corpo se curva, o passo fica mais lento, as mãos tremem,
a fala enfraquece e a memória recente começa a falhar. Esses
sinais, muitas vezes associados ao envelhecimento, podem também ser
sintomas da doença de Parkinson, uma condição neurológica
progressiva que afeta principalmente pessoas com mais de 60 anos.
Descrita pela primeira
vez em 1817, pelo médico britânico James Parkinson, a doença é a
segunda condição neurodegenerativa mais comum no mundo, perdendo
apenas para o Alzheimer. Estima-se que cerca de 1% das pessoas com
mais de 65 anos convivam com o Parkinson. No Brasil, esse número
gira em torno de 200 mil pacientes diagnosticados.
Por que decidi
pesquisar Parkinson?
Há alguns anos, decidi
me aprofundar no estudo da doença de Parkinson impulsionado pela sua
forte relação com o sistema nervoso autônomo, meu foco de estudo
desde o começo da carreira.
Como pesquisador do
Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal
Fluminense, busco entender não apenas como a doença afeta o sistema
nervoso autônomo, mas também como o corpo pode se adaptar, mesmo em
meio à degeneração neurológica. E, recentemente, isso nos levou a
investigar algo aparentemente simples, mas extremamente promissor: a
respiração.
No dia 21 de julho,
tivemos a satisfação de ver nosso artigo científico publicado no
periódico Autonomic Neuroscience: Basic and Clinical, da editora
Elsevier. O estudo aponta que um treinamento respiratório feito em
casa pode melhorar a função autonômica cardíaca de pacientes com
Parkinson.
Treinar os músculos da
respiração: uma proposta sem remédio
A proposta do nosso
estudo foi testar os efeitos do treinamento muscular inspiratório,
conhecido pela sigla TMI, que é um tipo de exercício feito com
aparelhos simples, que aumentam a resistência à inspiração,
fortalecendo os músculos responsáveis por puxar o ar para os
pulmões.
Essa técnica já é
usada com sucesso em diversas populações, como atletas, idosos e
pessoas com doenças respiratórias. No nosso caso, queríamos saber
se esse treinamento poderia melhorar o controle autonômico do
coração, ou seja, a forma como o sistema nervoso regula,
automaticamente, a frequência cardíaca e a resposta do corpo a
mudanças posturais, como levantar-se de uma cadeira ou da cama.
O sistema nervoso
autônomo possui dois ramos principais: o simpático, que acelera o
coração em situações de estresse, e o parassimpático ou vagal,
que atua como freio, diminuindo a frequência cardíaca em momentos
de repouso. Em pacientes com Parkinson, esse equilíbrio costuma
estar comprometido, especialmente durante situações de estresse
postural, como a mudança da posição sentada para a em pé, o que
pode levar a tonturas, queda de pressão e até desmaios.
Nosso experimento:
respiração e sistema nervoso
No estudo, avaliamos
oito pacientes com doença de Parkinson e oito voluntários
saudáveis, em idades semelhantes. Eles passaram por cinco semanas de
treinamento muscular inspiratório em casa, utilizando aparelhos
simples que aumentam a resistência à inspiração.
Antes e depois do
programa, medimos dois indicadores principais: a pressão
inspiratória máxima — uma medida da força dos músculos
respiratórios; e a variabilidade da frequência cardíaca — uma
forma de avaliar a saúde do sistema nervoso autônomo, especialmente
a atividade vagal.
Os testes foram feitos
em duas situações: na posição sentada que foi identificada como
repouso, e durante estresse ortostático, que é uma situação em
que o corpo é desafiado a manter a pressão arterial estável ao
ficar em pé.
Resultados promissores,
especialmente para quem tem Parkinson
Ambos os grupos (com e
sem Parkinson) apresentaram melhora na força muscular inspiratória
e na atividade vagal em repouso. Mas o que mais nos chamou a atenção
foi que apenas os pacientes com Parkinson mostraram melhora na
resposta do coração ao estresse ortostático após o treinamento.
Isso sugere que esse
tipo de treinamento pode ajudar o organismo a se adaptar melhor a
mudanças posturais, o que pode reduzir sintomas como tonturas,
fadiga e até quedas, tão comuns em pessoas com Parkinson.
Por que a respiração
afeta o coração?
A relação entre
respiração e batimentos cardíacos é profunda. A cada inspiração,
o coração tende a acelerar levemente; ao expirar, ele desacelera.
Esse fenômeno é regulado, em grande parte, pelo nervo vago,
importante componente do sistema nervoso parassimpático.
O treinamento
inspiratório parece influenciar esse equilíbrio ao prolongar o
tempo da expiração, o que favorece a ação vagal sobre o coração.
Em outras palavras: ao treinar os músculos respiratórios, estamos
estimulando uma parte do sistema nervoso que protege o coração e
ajuda a controlar a pressão arterial.
O que já sabíamos e o
que ainda precisamos saber
Nossos achados estão
em linha com nosso estudo anteriorde revisão sistemática da
literatura, publicado no Archives of Gerontology and Geriatrics que
mostra que o treinamento inspiratório pode melhorar a modulação
vagal cardíaca, a pressão arterial e o desempenho físico mesmo em
idosos considerados saudáveis. Mas o nosso recém publicado artigo
traz um dado novo: apenas cinco semanas de treinamento já são
suficientes para gerar benefícios autonômicos relevantes,
destacando ainda a forma segura e prática, pois foi realizado no
próprio ambiente domiciliar dos pacientes.
Claro que ainda temos
muito a investigar. Nosso estudo foi um piloto, com número reduzido
de participantes. E não avaliamos pacientes com Parkinson avançado
e com sintomas severos da doença, e que exigiriam acompanhamento
mais rigoroso.
Planejamos ampliar a
amostra e incluir testes mais detalhados de disfunção autonômica,
como o teste de inclinação (head-up tilt). Mas já podemos dizer
que o treinamento inspiratório se mostra uma ferramenta promissora,
barata e de fácil aplicação no manejo da doença. Fonte: apm.