Pesquisa demonstra
que os defeitos em um complexo do cérebro que produz dopamina geram
a progressão da doença
Um neurologista
assinala as imagens de um cérebro humano obtidas por scanner. SUDOK1 (GETTY
IMAGES/ISTOCKPHOTO)
03 NOV 2021 - Um
novo avanço científico dá novas possibilidades ao tratamento do
Parkinson. A doença, a segunda mais comum das patologias
neurodegenerativas depois do Alzheimer, afeta mais de 160.000
espanhóis (10.000 casos novos por ano) e sete milhões no mundo, de
acordo com a Federação Espanhola de Parkinson. Patricia
González-Rodríguez, cientista espanhola nascida em Arcos de la
Frontera (Cádiz) e formada na Universidade de Sevilha, continuou na
Universidade Northwestern de Chicago a carreira que iniciou no
Instituto de Biomedicina de Sevilha (IBiS). Na quarta-feira uma
dessas pesquisas fundamentais chefiada por ela foi publicada na
revista Nature. O trabalho demonstra como os defeitos no complexo
mitocondrial 1 do cérebro, necessário para a sobrevivência dos
neurônios que produzem dopamina e cuja ausência e disfunção os
destrói, geram uma lenta, mas contínua progressão do Parkinson. A
descoberta também identifica alvos terapêuticos para frear e até
reverter a doença.
José López Barneo,
professor de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Sevilha e também
pesquisador do IBiS, é coautor da pesquisa e explica como o
Parkinson é gerado pela “morte de muitos neurônios, mas,
especialmente, os mais importantes, os da massa cinzenta do cérebro
que geram dopamina”, um neurotransmissor fundamental à função
motora do órgão. As consequências dessa morte neuronal se traduzem
nos tremores e na rigidez que evidenciam os primeiros sintomas do
Parkinson, “a síndrome motora característica da doença”.
O cientista comenta
que “há tempos as mitocôndrias [os orgânulos responsáveis pela
respiração celular, as fábricas energéticas do corpo] haviam sido
associadas ao Parkinson, mas a patogênese, as causas da doença,
como se produz e como os neurônios morrem não eram bem conhecidas”.
“Descobrir isso”, acrescenta López Barneo, “pode gerar
medicamentos que atacariam a causa da doença, não somente os
sintomas”.
A cientista
acrescenta que “a ausência de um modelo adequado para testar essa
hipótese gerou confusão no campo do Parkinson, sem saber se os
defeitos do complexo mitocondrial 1 eram causa ou consequência da
doença”. A pesquisa liderada por Rodríguez-González o demonstra
pela primeira vez e identifica que a disfunção nessa área do
cérebro é causa.
Esta é uma das
descobertas mais relevantes dessa pesquisa. Os estudos do cérebro de
falecidos identificaram a presença da morte neuronal na substância
negra do cérebro, o principal centro produtor de dopamina. De acordo
com López Borneo, “se pensava que havia relação com o Parkinson,
mas não havia uma evidência direta de que fosse assim”.
A pesquisa, diante
da evidente limitação para realizá-la em humanos, foi possível
graças à utilização de um modelo murino (rato) de quem eliminaram
o gene fundamental à formação do complexo mitocondrial 1, o
Ndufs2. Foi feito de maneira seletiva para analisar as consequências
de sua supressão na substância negra. Sua ausência desencadeou um
Parkinson progressivo de características semelhantes ao gerado em
uma pessoa que sofre uma disfunção no complexo.
Segundo López
Barneo, “esse modelo mostra, pela primeira vez, que o complexo 1 é
absolutamente necessário à sobrevivência desses neurônios e que
sua ausência produz sua destruição progressiva, não de modo
brusco, e sim durante várias semanas e meses. É muito parecido ao
encaminhamento da doença que ocorre em humanos”.
González-Rodríguez acrescenta: “Até hoje, é o primeiro modelo
animal conhecido que mimetiza o Parkinson nas pessoas”.
A cientista
esclarece que a patologia afeta primeiro, nos neurônios que produzem
dopamina, o axônio, a estrutura alongada e fina que transmite o
impulso eletroquímico a outra célula nervosa. Posteriormente,
alteram o soma, o corpo celular de formato esférico que contém o
núcleo. E as duas afetações são necessárias. Nesse sentido,
González-Rodríguez esclarece: “Durante mais de 30 anos, a opinião
predominante foi que os sintomas motores fundamentais do Parkinson
são causados pelo esgotamento de dopamina nos axônios. Nós
concluímos, entretanto, que também é necessária a falta de
dopamina no soma para que ocorra o parkinsonismo (movimentos
anormais)”.
A pesquisa do
processo também é relevante porque, como detalha López Barneo, “os
neurônios não morrem quando esse complexo falha, e sim quando
começam a funcionar mal”: “Continuam vivos por mecanismos
adaptativos, mas com mudanças em sua função que dão lugar a uma
série de alterações que aparecem com o tempo”.
Essa latência abre
um campo terapêutico enorme porque permite novas abordagens, já que
a perda de dopamina no núcleo estriado do cérebro produz sintomas
iniciais que não se manifestam com as alterações motoras
características do Parkinson. Segundo López Barneo, “os neurônios
são potencialmente resgatáveis antes de morrerem e há aí uma
janela muito ampla à terapia. Em algum momento pode ser reversível”.
Patricia
González-Rodríguez, na Universidade Northwestern de Chicago.
Nesse sentido, a
autora principal da pesquisa afirma que “os neurônios
dopaminérgicos afetados pela doença de Parkinson perdem algumas de
suas propriedades e mudam seu metabolismo, mas durante um longo tempo
não morrem, ou seja, podem ser reativados (ser recuperados), ao
contrário do que se pensava até agora”. Atualmente se utiliza
como tratamento a levodopa, uma molécula substitutiva da dopamina, e
foi observado uma grande reversibilidade da doença tanto nos modelos
de rato utilizados como nos casos iniciais da doença em humanos. Mas
a nova pesquisa abre as portas para que esse não seja o único
caminho, e sim que amplie as possibilidades a outros mecanismos e
compostos para desacelerar a progressão da enfermidade e reverter
seus efeitos.
Novo teste clínico
González-Rodríguez
adianta nesse sentido o começo de um novo teste clínico com
pacientes em colaboração com Michael Kapplit, neurocirurgião no
Weill Cornell Medical College (Nova York) e também coautor da
pesquisa: “Essa terapia gênica será dirigida a tratar o soma dos
neurônios em vez dos axônios, como majoritariamente se fazia até
hoje”.
Zak Doric e Ken
Nakamura, do Instituto Gladstone de Doenças Neurológicas de San
Francisco (EUA) e que não fizeram parte da pesquisa, destacam em uma
análise, também publicada na Nature, que o trabalho de
González-Rodríguez “proporciona uma descrição impecavelmente
detalhada da progressão da neurodegeneração associada à disfunção
mitocondrial e seu impacto no movimento e na função neuronal nos
modelos de ratos”. Acham, entretanto, que a pesquisa a partir da
supressão do complexo mitocondrial “não recapitula todos os
aspectos da doença”.
Nesse sentido,
destacam que há pessoas com déficits na função do complexo 1 por
mutações no gene Ndufs2 que não desenvolvem a doença de
Parkinson, e sim outros transtornos neurológicos, como a síndrome
de Leigh, associados à deterioração dos neurônios não
dopaminérgicos. Nesse sentido, esclarecem: “É provável que, na
doença de Parkinson esporádica, a disfunção do complexo 1 se
combine com outros fatores genéticos e ambientais para produzir
toxicidade nos neurônios dopaminérgicos na substância negra”.
Os dois cientistas,
entretanto, consideram que o modelo desenvolvido “representa um dos
melhores da doença de Parkinson esporádica atualmente disponíveis”.
E concluem: “Não só permitirá estudar o papel da deficiência do
complexo 1 na doença, como também proporcionará um modelo para
avaliar o potencial das estratégias terapêuticas”. Fonte: ElPais.