20-04-2021 - Francisco Lourenço, 78 anos, recebeu o diagnóstico de Parkinson aos 65. É natural de Chancelaria e vive em Carvalhal da Aroeira, localidades de Torres Novas.
Na conversa com O MIRANTE, na delegação do Médio Tejo da Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson, que ajudou a erguer em Torres Novas, assegura que falou mais numa hora do que consegue dizer em dias inteiros quando a doença teima em se mostrar. Lutador por natureza, fala das dificuldades de viver com a doença e de uma sociedade que ainda a encara com estigma e onde predomina o egoísmo.
Quando lhe foi diagnosticada a doença de Parkinson?
Recebi o diagnóstico em 2008. Mas, tal como todos os doentes de Parkinson, sei que a doença não apareceu no dia anterior. É uma doença que se arrasta, silenciosa. Vamos aprendendo a lidar com as dificuldades e procuramos encontrar defesas para as combater. Quando chegamos ao ponto de nos queixarmos já está instalada. Quando procurei ajuda estava de rastos.
O que o fez procurar ajuda?
Trabalhava há mais de uma década como comercial numa empresa em Mérida, Espanha. Tinha muitas responsabilidades. Todas as semanas vinham camiões carregados de móveis, torneiras, cabines de hidromassagem e acessórios de casa de banho, para todo o país. Em 2005 houve uma quebra acentuada das vendas. Tive que trabalhar ainda mais. Conduzia muito, chegava a fazer mais de três mil quilómetros por semana para visitar clientes. Em duas situações perdi-me em caminhos que conhecia como a palma da mão. Atribui sempre a culpa ao cansaço. Fui desvalorizando e continuei a trabalhar até poder. Já depois de deixar o trabalho em Espanha, em 2008, em percursos mais curtos, como de Lisboa para Torres Novas, tinha que parar nas áreas de serviço de Aveiras e de Santarém para descansar.
Não eram sinais de alerta suficientes para ir ao médico?
Tenho um historial de depressão, por exigir sempre demais de mim próprio. Nunca fui diagnosticado, mas cheguei a ir várias vezes às urgências dos hospitais por onde passava em viagens de trabalho. Davam-me injecções de Valium, mas nunca tentaram chegar ao porquê. Quando me sentia melhor também esquecia o episódio e continuava a minha vida. Numa destas idas às urgências, no Hospital de Torres Novas, apanhei uma médica, Margarida Carvalho, que por acaso foi minha vizinha. Aconselhou-me a ir a um neurologista.
Seguiu o conselho?
Não. Mas estava cada vez pior. Um dia notei que tinha a visão alterada. Estava em frente à televisão e comecei a ver a imagem cortada ao meio. Assustei-me e marquei uma consulta de psiquiatria na urgência de Tomar. O clínico medicou-me. Como já tinha passado por depressões sabia que o que sentia não era o mesmo. De noite acordava com dores tão fortes como se me estivessem a cortar o cérebro. Dormia muito mal. Fui ter com um radiologista amigo para me fazer uma radiografia à cabeça. Detectou qualquer coisa, mas sugeriu que fizesse uma tomografia axial computorizada (TAC) e fosse visto por um médico da especialidade. A doutora Margarida estava de serviço e chamou de imediato uma ambulância que me levou a Abrantes para fazer o exame. Quando viu o relatório deu-me dois conselhos: consultar um oftalmologista e um neurologista.
Desta vez deu-lhe ouvidos?
Marquei consulta com o doutor Paulo Martins, neurocirurgião, em Santarém. Viu os exames que levei e disse-me de chofre ‘o senhor tem a doença de Parkinson’.
Como reagiu?
Perguntei se havia alguma terapia. Andar, andar e andar, respondeu-me ele. Se não puder andar muito, ande pouco, mas todos os movimentos são essenciais, disse-me. Não tenho ninguém na família com Parkinson. Tinha ouvido falar da doença mas não a conhecia.
Muitas pessoas escondem da família e amigos este diagnóstico.
Quem não aceita a doença sofre mais. Conheço casos de doentes que escondem da família e conhecidos. É horrível. Acabam por ser vítimas e sofrer com isso. Não se deve ocultar a doença. Ninguém pede uma doença. Ninguém a quer ter, mas uma vez que se tem deve aceitar-se.
Outras nem procuram ajuda de um especialista.
Há demasiados médicos de clínica geral a medicar doentes de Parkinson, que não foram diagnosticados por um especialista. Quem sofre com isso são os doentes. É lamentável. É importante agir aos primeiros sintomas.
Adaptou-se bem à medicação?
Logo após o diagnóstico, mesmo medicado, comecei a piorar. Cheguei ao ponto de tomar o máximo de medicação (quatro comprimidos por dia). Depois comecei a fazer experiências. Cada doente deve adequar a medicação às suas necessidades. Devemos tomar os medicamentos prescritos pelo médico, mas há um comprimido que não é preciso ser receitado pelo médico e que é o mais barato e acessível de todos: a força de vontade.
Como é que a doença lhe alterou o dia-a-dia?
Tive que deixar de conduzir porque bati três vezes. Cheguei a ter problemas na voz por não conseguir controlar o tom. Tinha, e ainda tenho, tremores na mão direita e muitas dores musculares e nas articulações. Muitas vezes teve que ser a minha mulher a ajudar-me a levantar da cama. Uma vez tive um bloqueio a 50 metros de casa. A ordem do cérebro para dar uma passada não chegava aos pés. Fiquei assustado. Como já tinha lido sobre o assunto dei um passo atrás e lentamente lá consegui recomeçar a caminhar. A minha rua tem 300 metros e não a conseguia percorrer toda de uma vez. Tive que reaprender a andar.
Há alturas mais difíceis?
As manhãs são mais complicadas, mas nunca estou parado. Tenho um jardinzito com seis mil metros quadrados. Tentei inteirar-me da minha doença e das minhas capacidades e dificuldades. Gosto de dançar, nadar, andar de bicicleta e caminhar. Faço todo o tipo de exercício. Continuo a fazer tudo, mas não faço quando quero e como quero.
Para assinalar o Dia Mundial da Doença de Parkinson, a associação realizou uma conferência online onde um dos temas foi o aumento de quedas durante o confinamento. Tem conhecimento de casos na região?
Tem sido um assunto muito debatido pela associação via Internet.
Há muitos doentes que se acomodam por natureza. E as quedas resultam dessa inércia. Eu não consigo estar sentado. Não dou à doença aquilo que ela quer. Dou-lhe os comprimidos porque é uma obrigação que tenho, mas o resto, a dopamina que consigo naturalmente não a vou buscar a nenhum medicamento.
Como surgiu a ideia de abrir a delegação em Torres Novas?
Fiz-me sócio da APDPk em 2009. Para ocupar o tempo, tanto física como intelectualmente, comecei a ir a congressos e sessões de esclarecimento sobre a doença e pediram-me para criar esta delegação.
Tem muitos associados e voluntários?
Há falta de voluntários que queiram trabalhar nesta área. Poucos querem ajudar, o que é pena. Muitas vezes bastava colaborar com uma palavra de conforto a um doente, um familiar ou um cuidador. Temos o apoio da doutora Isabel Ambrósio, directora do serviço de Neurologia do Centro Hospitalar do Médio Tejo, uma pessoa sempre disponível para ajudar. Tivemos também a colaboração de Margarida Lopes, doente de Parkinson que foi para Inglaterra. Artur de Oliveira Barrela ajuda na contabilidade. Há perto de três dezenas de associados, que pagam uma quota de 30 euros anuais.
É o Francisco quem está sempre disponível?
O meu número de telefone é o que surge associado à delegação. Grande parte da minha vida foi e continua a ser ocupada a ajudar os outros.
Estima-se que existam 20 mil doentes em Portugal. Por que motivo apenas menos de um décimo se fez associado?
O ser humano é egoísta por natureza. Talvez seja uma frase um bocadinho dura, mas é a realidade. As pessoas contactam-nos. Mas quando nos contactam, e algumas até se fazem sócias, querem ter logo uma resposta e uma garantia de que o seu problema vai ser resolvido. Quando chega à altura de pagar as quotas muitos não o fazem. Alguns perguntam se há fisioterapia disponível na delegação ou outros serviços. Mas para isso tem que haver quem trabalhe, quem participe. Mesmo um doente que consiga fazer pouco, o pouco que faz pode ser útil para ele e para os outros. Este desinteresse não tem a ver com a pandemia. Já vinha de trás.
A sociedade está mais preparada para esta doença?
Nos dias de mercado passa por aqui muita gente. Notei em várias ocasiões que algumas pessoas olhavam para a placa que está à entrada da porta, liam e davam dois passos atrás como se estivesse ali algum mal que se pegue. Continua a haver um estigma. É curiosa a forma como o cérebro actua.
Delegação de Torres Novas abrange todo o Médio Tejo
O Parkinson é uma doença neurológica degenerativa que afecta o controlo dos movimentos. Tremores involuntários, rigidez e perda de flexibilidade dos membros e dificuldade em andar são alguns dos sintomas mais comuns. É mais frequente em pessoas com mais de 60 anos, embora possa atingir qualquer idade.
A delegação de Torres Novas da Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson, a funcionar no edifício do Mercado Municipal, foi criada em 2012 com o intuito de ajudar a melhorar a qualidade de vida dos doentes de Parkinson residentes na região do Médio Tejo, abrangendo os concelhos de Abrantes, Alcanena, Constância, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Mação, Ourém, Sardoal, Tomar, Torres Novas e Vila Nova da Barquinha. Fonte: O Mirante.
(*) Assunto polêmico. Na minha experiência a FORÇA DE VONTADE ajuda e muito, mas não é a solução. Dizendo isto estaríamos a sugerir que nos falta FORÇA DE VONTADE? Vontade de viver todos temos…, mas e a depressão que dá após passsar o efeito da L-Dopa? Sabendo que teremos que tomar subsequentemente outra e mais outra dose? Sem perpectivas de mudar o quadro? Sinceramente. Chega a tirar a vontade de viver, mas não podemos nos entregar! FORÇA A TODOS!