06 de novembro de 2025 - No calor úmido do verão de Cleveland, nos Estados Unidos, o Dr. Michal Gostkowski não precisa de casaco. No outono, talvez use um casaco leve. À medida que o frio do inverno se aproxima, certamente ele se agasalhará.
Assim como há a troca de guarda-roupa quando o clima muda, o cérebro de pacientes com doença de Parkinson às vezes necessita de ajustes ao longo do dia. Essa é a ideia por trás de um dispositivo de estimulação cerebral profunda adaptativa (ECPa) recentemente aprovado, agora utilizado para tratar a doença, disse o médico, que atua como neurologista na Cleveland Clinic, nos EUA. À medida que o cérebro e os sintomas do paciente flutuam ao longo do dia, a ECPa se ajusta em tempo real, oferecendo controle personalizado.
Embora a ECP convencional tenha sido um tratamento fundamental por quase 30 anos, ela apresenta limitações claras. A técnica fornece estimulação elétrica fixa e constante para regiões cerebrais específicas, mas não consegue se ajustar às flutuações dos sintomas ou aos efeitos da medicação. Isso pode resultar em efeitos colaterais significativos, como a discinesia.
Já a ECPa é um sistema de circuito fechado que oferece uma alternativa personalizada. Ao monitorar a atividade cerebral em tempo real e ajustar a estimulação dinamicamente, essa tecnologia de última geração proporciona maior controle dos sintomas com menos efeitos colaterais.
Neurologistas na América do Norte, Europa e Ásia estão adotando a terapia para preservar a independência e a funcionalidade dos pacientes, oferecendo esperança a milhões de pessoas que vivem com a doença.
A resposta, até o momento, tem sido promissora. Dos 75 pacientes do Dr. Michal que utilizaram a técnica, nenhum interrompeu a terapia.
"Tem sido muito vantajosa para a maioria dos pacientes", afirmou o neurologista ao Medscape. "Parece simplesmente fornecer o que o organismo está perdendo e o que o cérebro não está fazendo sozinho, e os pacientes realmente gostam disso."
Uma década de desenvolvimento
Em fevereiro, a fabricante Medtronic recebeu a aprovação da Food and Drug Administration (FDA) para o BrainSense aDBS e para o sistema BrainSense Electrode Identifier, tornando-o o primeiro e único sistema de ECPa liberado para uso clínico na doença de Parkinson.
A aprovação foi o ápice de mais de uma década de pesquisas para refinar a ECPa, desde a determinação de quais frequências de ondas cerebrais se correlacionam com os sintomas motores da doença de Parkinson até a identificação de quais sinais eram seguros e eficazes o suficiente para acionar o sistema.
Pesquisadores da Stanford University, nos EUA, foram os primeiros a implantar um dispositivo de detecção capaz de lidar com a ECPa com o sistema totalmente integrado.
Em 2018, pesquisadores da University of California em São Francisco (UCSF), nos EUA, implantaram pela primeira vez a ECPa em dois pacientes com doença de Parkinson, demonstrando que ela era tão eficaz no controle dos sintomas quanto a técnica convencional.
O procedimento envolve a inserção de eletrodos no cérebro e a implantação de um gerador de pulsos alimentado por bateria sob a clavícula. Os eletrodos implantados são inseridos profundamente em estruturas cerebrais minúsculas (como o núcleo subtalâmico), onde captam potenciais de campo locais. Dentro desses sinais, frequências anômalas da banda beta na faixa de 13 a 30 Hz ativam o sistema de ECPa.
A estimulação, então, modula as ondas beta interrompidas em pacientes com doença de Parkinson, ajudando a aliviar certos sintomas motores.
Um ensaio clínico pivotal — o ADAPT-PD — liderado pela Dra. Helen Bronte-Stewart, médica e professora de neurologia da Stanford University, serviu de base para a aprovação da tecnologia pela FDA.
Os resultados deste ensaio clínico multicêntrico, prospectivo, de cegamento simples e com randomização cruzada foram publicados em 22 de setembro no periódico JAMA Neurology. Entre os 68 participantes do estudo (70,6% eram homens; a média de idade foi de 62,2 anos; e a duração da doença foi de 13,5 anos), a maioria apresentou tempo efetivo de ativação (definido como o tempo em que os sintomas estavam bem controlados) sem apresentar discinesia incômoda (em comparação com a ECP convencional).
“Mais de dois terços dos participantes indicaram preferência ‘forte’ ou ‘razoável’ pela técnica adaptativa em vez das configurações anteriores da técnica convencional, quando avaliamos a melhora dos sintomas motores ou menos flutuações nos sintomas”, registraram os pesquisadores.
É necessário que haja potência beta suficiente perto do eletrodo para acionar o sistema, afirmou a Dra. Helen ao Medscape. “Se não houver sinal suficiente para registrar, a ECPa não funcionará, e isso geralmente depende de onde o eletrodo está localizado no cérebro”, completou ela.
Expectativas realistas
Selecionar pacientes com expectativas realistas é fundamental para a ECPa, enfatizou o Dr. Michal. Pacientes em faixas etárias mais avançadas e indivíduos com problemas preexistentes relacionados à marcha e à fala apresentam maior risco de eventos adversos induzidos pela estimulação, afirmou o Dr. Martijn Beudel, Ph.D., neurologista e professor associado do Amsterdam Universitair Medische Centra, nos Países Baixos.
Além disso, pacientes com comprometimento cognitivo significativo ou demência geralmente não são elegíveis, pois a cirurgia em si pode apresentar riscos. Os sintomas não motores da doença de Parkinson, como dificuldades de deglutição, salivação excessiva ou problemas na regulação da pressão arterial, não melhoram com essa tecnologia.
Alguns pacientes esperam melhora na memória ou na paralisia da marcha, observou o Dr. Michal, mas é improvável que haja resposta para esses sintomas, o que pode gerar confusão sobre o que a técnica pode ou não melhorar.
Rand Laycock, um maestro de 70 anos que vinha usando a estimulação convencional como tratamento da doença de Parkinson, encaixava-se como um caso elegível para a técnica adaptativa, ilustrou o Dr. Michal. Desde que efetuou a troca para o sistema adaptativo, no início de 2025, o impacto foi profundo.
“Meu tremor desapareceu quase completamente, exceto quando sinto ansiedade ou estresse intensos, e a discinesia está praticamente sob controle”, contou o maestro em um perfil de pacientes da Cleveland Clinic. “Meus sintomas são mínimos em comparação ao que eram, e muito disso se deve à ECPa.”
De fato, a terapia permitiu que ele continuasse sua carreira de 47 anos.
Dados clínicos reforçam esses desfechos descritos pelos pacientes. Um estudo recente liderado por pesquisadores da UCSF mostrou que a ECPa melhorou os sintomas e a qualidade de vida em indivíduos com doença de Parkinson, reduzindo os efeitos colaterais comuns da ECP convencional.
Pacientes que, como Rand, fazem a transição para a técnica adaptativa, não precisam de mais cirurgias; o sistema Percept DBS da Medtronic pode ser atualizado por software para ativar sua configuração adaptativa.
Adoção global
Embora pacientes com o dispositivo Percept instalado possam, tecnicamente, atualizar para a ECPa, isso nem sempre significa que devam proceder assim.
“Leva muito tempo para colocar alguém em um modo adaptativo, e o esforço pode não valer a pena para muitos pacientes com eletrodos de ECP bem posicionados”, ressaltou ao Medscape o Dr. Michael Okun, médico, consultor médico da Parkinson’s Foundation e autor do livro The Parkinson’s Plan.
A Dra. Helen fez uma observação semelhante. Ela alertou contra a abordagem da ECPa como uma alternativa revolucionária de uso obrigatório. Em vez disso, disse ela, a técnica deve ser vista como uma terapia biológica personalizada, e não como um tratamento totalmente novo.
Globalmente, mais de 160 mil pacientes com doença de Parkinson têm implantes de eletrodos para ECP, embora não esteja claro quantos estão usando a estimulação adaptativa. No entanto, a Medtronic informou que, até o momento, mais de 40 mil indivíduos no mundo têm o dispositivo Percept.
“O número exato de serviços que utilizam a ECPa ainda é pequeno. As barreiras para a implementação envolvem a necessidade de treinamento clínico, a complexidade da programação e os obstáculos ao reembolso pelas operadoras”, explicou o Dr. Michael.
Nos EUA, o custo varia de US$ 70 mil a US$ 100 mil. O Dr. Michal e o Dr. Brett Youngerman, neurocirurgião e professor assistente de neurocirurgia no Columbia University Irving Medical Center, nos EUA, afirmaram que seus pacientes com doença de Parkinson não tiveram problemas para obter cobertura da operadora para o tratamento.
Do outro lado do oceano, nos Países Baixos, o Dr. Martijn tem se dedicado à implementação da ECPa para seus pacientes.
Sua equipe começou a usar a técnica na prática clínica de rotina em 2021, inicialmente por meio do estudo ADAPT-PD, e desde então expandiu o uso para cerca de 20 pacientes em 2025.
Ele observou que atualmente os pacientes necessitam de consultas hospitalares um pouco mais frequentes do que os indivíduos com ECP convencional, principalmente para ajustes de algoritmo. No entanto, em sua experiência, a terapia adaptativa oferece um gerenciamento superior dos efeitos colaterais induzidos pela estimulação, como disartria, discinesia e distúrbios da marcha.
“[Com a ECPa], temos a vantagem de estimular menos do que com a terapia convencional, portanto [este tratamento] é menos propenso a efeitos colaterais. É claro que precisamos ser muito cautelosos ao titular os algoritmos da ECPa, pois precisamos garantir que a estimulação seja ativada com base em um sinal fisiológico que se correlacione com os sintomas do paciente”, disse ele ao Medscape.
Dada a recente implementação dessa tecnologia, o Dr. Martijn enfatizou a importância de aprender com outros médicos e estabelecer um registro internacional de centros que utilizam a estimulação adaptativa. Até o momento, 26 centros na Europa, nos EUA e no Japão aderiram ao consórcio com o objetivo de compartilhar dados de desfechos de pacientes e percepções clínicas.
Outra vantagem da terapia adaptativa é a maior duração da bateria. Como não estimula o cérebro continuamente, pesquisadores da UCSF constataram que ela pode conservar cerca de 40% mais energia do que a estimulação convencional. A bateria precisa ser recarregada mensalmente, mas mantém a capacidade por aproximadamente 12 anos, durando muito mais do que a maioria dos celulares.
O caminho à frente
No entanto, ainda existem aspectos fundamentais da ECPa que, segundo especialistas, precisam ser mais refinados. "A principal limitação no momento é que ela se restringe a um único biomarcador predefinido, focado principalmente na potência beta", afirmou ao Medscape o Dr. Brett, que também descreveu desfechos benéficos da terapia em seus 25 pacientes.
O dispositivo comercial atual continua sendo de primeira geração, mas espera-se que versões futuras incorporem algoritmos mais sofisticados, capazes de interpretar mais sinais neurais à medida que a compreensão científica avança, comentou a Dra. Helen.
A técnica adaptativa também está sendo explorada como um possível tratamento para outros distúrbios neurológicos e alguns transtornos psiquiátricos.
O próximo passo é uma maior integração da inteligência artificial (IA), o que poderia tornar o sistema mais autônomo e reduzir as consultas hospitalares, permitindo que a estimulação seja autotitulada, vislumbrou o Dr. Martijn.
Ferramentas de monitoramento remoto também estão sendo aprimoradas, potencialmente permitindo que os médicos acessem à distância os dados da ECPa de um paciente e reduzam ainda mais a necessidade de consultas médicas. Estudos pós-comercialização estão sendo planejados e registros iniciais estão sendo estabelecidos, embora os resultados provavelmente levem um ano ou mais para surgir, observou o Dr. Michael.
“Os sistemas de última geração com algoritmos baseados em IA e melhores interfaces com o usuário estão no horizonte. Estou animado. No entanto, precisamos simplificar a programação e garantir um acesso mais amplo para tornar essa tecnologia um verdadeiro divisor de águas no tratamento da doença de Parkinson”, afirmou ele.
Por enquanto, contudo, a ECPa parece estar fazendo uma diferença significativa para pacientes com doença de Parkinson nos EUA e em outros países. Rand, o paciente do Dr. Michal, descreveu a terapia como “um procedimento transformador que permite que você volte a ser você mesmo”.
Os Drs. Brett Youngerman e Michal Gostkowski informaram não ter conflitos de interesses relevantes. O Dr. Martijn Beudel informou ter recebido subsídio pela bolsa de pesquisa TKI-PPP do Amsterdam Universitair Medische Centra (chamadas de 2021 e 2023), do projeto EU Joint Programme-Neurodegenerative Disease Research (chamada de 2021), dos Stichting Parkinson Fonds (chamadas de 2023 e 2025) e da Medtronic (2023-2025), todos pagos à sua instituição de filiação. A Dra. Helen Bronte-Stewart e o Dr. Michael Okun informaram não ter conflitos de interesses relevantes. Fonte: medscape.

