segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Inteligência Artificial a combater Alzheimer e Parkinson: a história de como isso está a acontecer, com quem - e como chegou ao Nobel

060125 - E para entender isso temos de começar com Lila Ibrahim. Quem?

O primeiro amor de Lila Ibrahim não são os computadores. Para surpresa da primeira diretora de operações do Google DeepMind, nem sequer é a inteligência artificial - nem a programação.

O primeiro amor de Lila Ibrahim é a engenharia e é essa formação que a torna tão valiosa num trabalho que tem tudo que ver com computação.

“Tornei-me engenheira eletrotécnica porque pensei que era uma combinação de matemática, arte e ciência. E, ao longo do caminho, acabei por gostar muito de trabalhar com pessoas. E o que mais gostei na minha carreira de engenheira foi a capacidade de juntar tudo isso e ter uma visão única em tudo o que faço”, conta Lila Ibrahim a Anna Stewart, da CNN, durante uma entrevista recente na sede do Google DeepMind, em Londres.

“Ser engenheira ensinou-me a perguntar o quê, porquê e o que estamos a tentar alcançar. Assim, se conseguirmos compreender realmente um problema, podemos descobrir qual é a solução certa, em vez de nos limitarmos a atirar uma série de soluções para um problema indefinido.”

Como profissional que resolve problemas, parte do seu trabalho “é preocupar-se”, diz Ibrahim. “Quais são os riscos e como é que os mitigamos? E também pensar nas oportunidades - e como as apoiamos? ... Sinto que tive quase uma vocação moral para desempenhar este papel e, de repente, o meu passado muito estranho e tortuoso faz sentido no sítio onde me encontro agora.”

Uma coisa que aprendeu, sublinha Lila Ibrahim, é que não é muito boa a prever o futuro: “Mas sou muito boa a construí-lo”.

Pensar de fora para dentro

Filha de imigrantes e tendo o inglês como segunda língua, Lila Ibrahim conta que se sentiu muitas vezes “como uma estranha” durante a infância e a vida adulta, primeiro no Midwest americano, depois como estudante de intercâmbio no Japão e na universidade de Purdue, em Indiana, EUA, onde estudou engenharia elétrica.

“Não havia muitas mulheres”, recorda Ibrahim. “De facto, na altura podiam contar-se pelos dedos de uma mão.”

Nessa altura, com vinte e poucos anos, “estava já muito habituada” a ter de se sentir à vontade “para trazer uma perspetiva diferente para tudo”.

Embora essa mentalidade de “outsider” tenha inicialmente parecido um obstáculo, Lila Ibrahim diz que a maior lição que aprendeu foi aceitá-la como um superpoder - e gostaria de o ter feito mais cedo.

Construiu a sua carreira, primeiro no fabricante de chips para computadores Intel, depois numa empresa de capital de risco. Lila Ibrahim tornou-se a primeira presidente e diretora de operações da plataforma de aprendizagem em linha Coursera.

Em 2018 surgiu-lhe uma oportunidade fascinante: o DeepMind, um laboratório de investigação de inteligência artificial (IA) fundado em 2010 - que a Google adquiriu em 2014 - e que estava à procura do seu primeiro diretor de operações.

“Trinta anos depois de começar a minha carreira, eu realmente queria ser muito intencional sobre qual seria o próximo capítulo”, diz Lila Ibrahim.

“Mas quando se tem a oportunidade de trabalhar numa tecnologia tão transformadora... como é que se pode dizer não? Por isso, comecei a conversar, mas de forma muito lenta e intencional. Queria perceber qual era a visão dos fundadores sobre o que eu podia tornar possível e quais eram os riscos.”

No total, Lila Ibrahim diz que passou 50 horas a fazer entrevistas para o cargo, enquanto ponderava a perspetiva de entrar no excitante, mas muitas vezes controverso mundo da IA.

Ia para casa e aconchegava as minhas filhas à noite e dizia: “Que tipo de legado vou deixar no mundo? No final do dia, senti que não havia melhor sítio para construir a IA de forma responsável do que no DeepMind”.

Uma ideia vencedora do Nobel

A paixão de Ibrahim pela engenharia foi inspirada pelo seu pai libanês, que ficou órfão aos cinco anos de idade e que viria a tornar-se engenheiro eletrotécnico.

“Lembro-me que, quando eu estava a crescer, ele tinha uns desenhos lindos na secretária em casa. E depois eu via esses desenhos transformarem-se em microchips que iam para coisas como pacemakers cardíacos. Por isso, este miúdo órfão do Líbano teria conseguido salvar a vida de pessoas através do seu trabalho em pacemakers, tudo através da engenharia.”

Lila Ibrahim, na foto com o pai, Shawki Ibrahim, atribui-lhe a inspiração para se ter tornado engenheira eletrotécnica foto Lila Ibrahim

Motivada pelo exemplo do pai, Lila Ibrahim avalia o seu trabalho em termos de impacto. No Google DeepMind, talvez o exemplo mais importante seja o AlphaFold, o programa de IA da empresa capaz de resolver o que chama “problema de previsão de proteínas”.

“Uma proteína é um bloco de construção básico da vida”, explica Lila Ibrahim. “E se conseguirmos perceber como é que uma proteína se dobra, podemos perceber a função que tem e, quando se dobra mal, o que é que correu mal. Por isso, coisas como a doença de Alzheimer e a doença de Parkinson são problemas relacionados com as proteínas”.

O que normalmente levaria anos a um investigador humano para obter apenas uma única proteína, agora acontece em minutos. A empresa também tornou o AlphaFold open source, o que significa que qualquer investigador em qualquer parte do mundo pode ter acesso a ele (mais de dois milhões de pessoas em 190 países já o fizeram, segundos dados do próprio Google DeepMind). Em outubro, dois dos colegas de Lila Ibrahim receberam o Prémio Nobel da Química pelo programa.

“Não estávamos à espera do Prémio Nobel”, diz Lila Ibrahim, “definitivamente não neste ano”, referindo que o AlphaFold tem apenas quatro anos.

“O AlphaFold é apenas o primeiro passo”, acrescenta. “Temos uma carteira de investigação que está a decorrer não só na biologia, mas também na química, na física e muito mais.”

“Os pioneiros acabam com setas nas costas”

Nem sempre foi fácil, diz Lila Ibrahim; mesmo com o AlphaFold, houve períodos em que não tinham a certeza de que alguma vez funcionaria.

Mas Lila Ibrahim aponta um momento no início da sua carreira, quando estava na Intel, que foi muito “transformador” para ela. Depois de ter sido “esbofeteada” (não literalmente) enquanto trabalhava num projeto exigente, o então CEO e presidente Craig Barrett, que Ibrahim considera um dos seus mentores mais valiosos, disse-lhe: “Os pioneiros acabam com setas nas costas. Você está a abrir um caminho. Pare de vez em quando. Deixa-me tirar as setas para que possas correr mais e mais depressa”.

Agora, diz Lila Ibrahim, está em posição de retirar as setas das costas da sua equipa, ao mesmo tempo que retira algumas das suas, numa tentativa de “dar espaço às pessoas para fazerem o que está certo”.

Embora Lila Ibrahim diga que beneficiou dos seus mentores - que, como salientou, eram todos homens -, espera que em breve chegue o momento em que ela e outras mulheres no setor da tecnologia deixem de se sentir estranhas.

“Espero, sem dúvida, que as minhas filhas e a sua geração ultrapassem os limites do que significa ser engenheiro, cientista, muito além do que a minha geração foi capaz de realizar”, afirma Ibrahim.

“Também sinto que é minha responsabilidade agora, neste papel, neste momento da história, garantir que não estou apenas a trazer as mulheres, mas a pensar em trazer outras pessoas - seja em termos de género, diversidade geográfica, diversidade étnica... Para se ter o impacto na sociedade que é necessário, precisamos de vozes diversificadas desde o início.” Fonte: cnnportugal.

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