Estudo publicado na
JAMA Neurology observou quase 500 mil pessoas durante 15 anos e
mostra que quem diz se sentir solitário tem maior probabilidade de
sofrer da doença
A solidão foi
associada ao desenvolvimento da doença de Parkinson — Foto:
Freepik
02/10/2023 - A solidão
indesejada tem muitas consequências na vida das pessoas. Uma
pesquisa recente publicada na revista JAMA Neurology mostra mais uma
correlação com uma doença degenerativa que até hoje ainda não
tem cura: o Parkinson. Numerosos estudos têm demonstrado que a falta
de companhia é prejudicial à saúde, tanto que em alguns casos
aumenta o risco de desenvolver doenças que aumentam o risco de
mortalidade em cerca de 30%.
— A solidão é um
sentimento angustiante, acreditamos que com o tempo pode gerar
estresse fisiológico no cérebro, principalmente em pessoas que
apresentam outras vulnerabilidades. Até agora foram analisadas as
consequências que a solidão tem noutros aspectos da vida, como a
obesidade ou as doenças cardiovasculares. Mas até agora nenhum
trabalho investigou a ligação com o Parkinson — explica Antonio
Terracciano, geriatra da Universidade do Estado da Flórida e
coordenador do estudo.
Junto à sua equipe, o
especialista acompanhou durante 15 anos um total de 491.603
participantes de um biobanco no Reino Unido, que no início do estudo
tiveram que responder à mesma pergunta: “Você se sente sozinho
com frequência?”
Todos os participantes
tinham mais de 50 anos na época do início da pesquisa, uma vez que
o Parkinson tem maior incidência entre adultos, enquanto para
identificar melhor a relação temporal entre a solidão e o
Parkinson, as análises foram repetidas a cada cinco anos. Os
resultados finais mostram que as pessoas que responderam
afirmativamente têm 37% mais chances de desenvolver a doença de
Parkinson.
— Essa correlação
permanece mesmo quando considerados outros fatores demográficos,
como nível socioeconômico, hábitos de vida pouco saudáveis ou
predisposição genética para outras doenças — diz Terracciano,
embora reconheça que algumas variáveis podem atenuar o
resultado.
Na verdade, existem
dois fatores que reduzem esta probabilidade, e que os investigadores
identificam como possíveis pistas para compreender as causas da
correlação. O estudo mostra que a solidão tem maior probabilidade
de estar associada a um maior risco de Parkinson através de vias
metabólicas, inflamatórias e neuroendócrinas, uma vez que a
correlação diminui 13% depois de levar em conta condições
crónicas como a diabetes.
Porém, a variável que
mais atenua a correlação entre a solidão e a doença de Parkinson
é a saúde mental (24%). As evidências sugerem que existem
associações bidirecionais entre solidão e depressão, que tendem a
ocorrer simultaneamente.
— Esses resultados
sugerem que o mesmo acontece com o Parkinson, embora ainda não
possamos dizer com certeza qual das duas coisas acontece primeiro —
afirma o geriatra.
Segundo María José
Martín, neurologista do Centro de Pesquisa Biomédica em Rede para
Doenças Neurodegenerativas (CIBERNED), um aspecto interessante deste
estudo é a variável gênero, que os pesquisadores indicam não
existir quando se fala em Parkinson.
No entanto, embora a
maioria das pessoas que relataram sentir-se sozinhas fossem mulheres,
tivessem menos recursos económicos e fossem mais propensas a sofrer
de ansiedade ou depressão, os resultados do estudo não mostram que
as mulheres são mais propensas a desenvolver Parkinson em homens.
Origens incertas
Os resultados da equipe
da Florida complementam outras evidências que indicam que a solidão
é um determinante psicossocial da saúde associado a um risco
aumentado de morbilidade e mortalidade. Um estudo recente do
Instituto de Neurociências de Nanchang, na China, alertou que a
solidão está associada a um aumento de 23% no risco de demência,
enquanto outra investigação da Universidade da Flórida, que
utilizou a mesma medida de solidão que este estudo, descobriu que
sentir-se solitário foi associado a um risco aumentado de doença de
Alzheimer e demências vasculares e frontotemporais.
— As descobertas
atuais e anteriores sugerem que a solidão pode estar associada a um
risco aumentado de doenças neurodegenerativas e que os efeitos
prejudiciais da solidão não estão limitados a uma única causa ou
via neuropatológica — explica Terracciano.
Apesar dos resultados,
o estudo não oferece quaisquer conclusões sobre as causas
subjacentes a esta correlação, limitando-se a expor diferentes
interpretações dos dados. Além da possibilidade endócrina, os
pesquisadores investigam a possibilidade de que pessoas que vivenciam
a solidão tenham tendência a se envolver em comportamentos
prejudiciais à saúde, como o sedentarismo.
— É verdade que
depois da Covid-19 a solidão tem sido muito estudada. Certamente
afeta os aspectos de imunidade e inflamação. Mas acho que ainda não
conseguimos tirar uma conclusão precisa sobre se a solidão é causa
ou consequência da doença de Parkinson. Pode ser que primeiro tenha
havido a patologia e que esse sentimento de solidão tenha sido um
sintoma anterior — reconhece Martín.
Mesmo assim, a doutora
Ana Martínez, do Centro de Pesquisas Biológicas (CIB-CSIC), que não
participou deste estudo, comemora a análise que tem sido feita por
ser a primeira a investigar essa correlação que já havia sido
encontrada em outras doenças neurodegenerativas.
— Basicamente, o que
este estudo quer dizer é que o estágio emocional de uma pessoa
influencia a prevenção ou o retardamento da doença de Parkinson.
Embora não ofereça explicações sólidas sobre as razões, deve-se
admitir que é um conselho bastante bom para a população em geral.
Não fará mal nenhum e provavelmente acabará como o Alzheimer, onde
está demonstrado que um caráter positivo ajudou na prevenção —
afirma a especialista. Fonte: O Globo.