Uso de agrotóxico na produção de alimentos é uma das causas de contaminação e mortes (Foto: Divulgação)
30 de setembro de
2020 - SÃO PAULO – Em meio à pressão do setor do agronegócio, a
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) irá discutir a
possibilidade de permitir que agricultores utilizem estoques do
agrotóxico paraquate, que teve o uso proibido no país na última
semana. Até então, a previsão era que esses estoques fossem
recolhidos em até 30 dias.
A medida ocorre dias
após a própria agência confirmar o banimento do produto, em
votação apertada entre diretores. Com a decisão, a produção,
venda, importação e uso do paraquate estão vetados desde 22 de
setembro.
A nova proposta, que
flexibilizaria a proibição, foi apresentada pelo diretor-presidente
substituto da Anvisa, Antônio Barra Torres, e incluída em pauta de
reunião na próxima terça-feira, 7.
Segundo documento da
agência, a ideia é alterar a resolução que define o banimento
para “tratar da utilização dos estoques em posse dos agricultores
brasileiros para o manejo dos cultivos na safra agrícola de
2020/2021”.
Não há ainda
informação de quanto seria esse estoque. Segundo a reportagem
apurou, a ideia inicial é que a medida valha para os agricultores,
não para as empresas.
Atualmente, o
paraquate é bastante usado em culturas como algodão, milho e soja,
e é considerado um dos dez agrotóxicos mais vendidos do país.
Análises da Anvisa, porém, apontam risco à saúde de produtores
que lidam diretamente com o herbicida, como aumento na incidência de
doença de Parkinson.
O tema deve ser
tratado sem que haja análise de impacto regulatório, procedimento
comum na Anvisa. Em documento, Barra justifica a medida devido ao que
chama de “alto grau de urgência e gravidade”.
A nova proposta
coincide com a apresentação de projetos no Congresso para tentar
derrubar a norma da Anvisa. Um deles, apresentado pelo senador Luis
Carlos Heinze (PP-RS), da bancada do agronegócio, aguarda votação
no plenário do Senado.
Uma primeira decisão
por banir o paraquate, no entanto, havia sido adotada ainda em 2017,
após uma revisão de estudos pela equipe técnica da Anvisa apontar
riscos à saúde de agricultores.
A avaliação à
época era de que o paraquate tem potencial mutagênico (ou seja,
pode trazer mudanças no material genético) e traz risco de doença
de Parkinson entre produtores que lidam diretamente com o material.
Não há evidência de prejuízos à saúde da população ou de que
o herbicida deixe resíduos nos alimentos.
Adotada a medida, a
agência definiu um prazo de três anos como transição. Nesse
intervalo, houve abertura para que o setor pudesse apresentar novos
estudos -o que não ocorreu. Também foram adotados alertas nos
produtos.
A possibilidade de
adiar o banimento, no entanto, passou a ser analisada neste ano
novamente em meio a pressão do Ministério da Agricultura, que
também responde pelo registro de agrotóxicos, e de membros do
setor.
O argumento é que
pesquisas que poderiam trazer nova análise sobre riscos estavam
sendo desenvolvidas, mas foram prejudicadas pela pandemia do novo
coronavírus. O grupo também questiona a decisão da Anvisa.
“A Anvisa usa
metadados para tomar essa decisão, que é uma escolha baseada em
perigo e precaução. Ela simplesmente juntou um monte de estudos e
fez correlação, e disse que pode dar problemas de mutagenicidade.
Não foi a conclusão da Austrália, que fez nexo causal, ou dos
Estados Unidos. Esse sistema quem usa é a Europa”, afirma Fabrício
Rosa, diretor-executivo da Aprosoja (Associação Brasileira dos
Produtores de Soja).
Entidades da área
de saúde e meio ambiente reagiram. A defesa é que, desde a decisão
de 2017, há um número maior de evidências que apontam riscos à
saúde e sustentam a proibição, e que é baixa a probabilidade de
que novos estudos contrariem essa análise.
“Ele é proibido
em outros países e tem efeitos tóxicos graves, tanto agudos quanto
crônicos. São efeitos de contato do trabalhador, e de pessoas que
moram em áreas próximas da área da pulverização”, relata Karen
Friedrich, do grupo de saúde e ambiente da Abrasco (Associação
Brasileira de Saúde Coletiva), citando como exemplo um aumento na
incidência de Parkinson em agricultores e o aumento no risco de
câncer.
Após análise em 15
de setembro, por três votos a dois, diretores da Anvisa decidiram
então por manter o banimento. Na ocasião, a possibilidade de adotar
uma medida extra para análise dos estoques chegou a ser citada por
alguns diretores, mas ainda não tinha sido apresentada.
Na prática, a
proibição já passou a valer.
Rosa diz que a
defesa por usar os estoques ocorre devido à dificuldade em
substituir o paraquate, o que deve levar agricultores a terem que
misturar produtos diferentes e a um aumento nos custos.
“A Anvisa está
proibindo no meio da safra”, afirma ele, segundo quem o setor
contava com a liberação dos estoques. “Não tem produto
substituto em volume suficiente para atender os produtores.”
Já Friedrich, da
Abrasco, argumenta que não há motivo para novo adiamento. Ela
lembra que a proibição era esperada desde 2017.
“Não faz nenhum
sentido o setor estocar esse produto já sabendo que nesse mês de
setembro teria a proibição, a não ser que tivesse uma expectativa
de reverter a avaliação de alguma outra forma que não pela
toxicidade”, diz. “Manter e usar esse estoque é apoiar um
artifício que o setor econômico viu de estocar um produto que
saberia que seria proibido, e manter pessoas expostas.”
A reportagem
questionou a Anvisa sobre a nova proposta, mas a agência informou
que não iria comentar.
Em nota, o
Ministério da Agricultura afirmou que fará o cancelamento dos
registros dos produtos à base do ingrediente paraquate nos próximos
dias e “adotará as providências necessárias para o cumprimento
da resolução da Anvisa.”
O órgão justifica
a ausência do cancelamento até o momento à necessidade de
“aguardar respostas da Anvisa a algumas questões técnicas”. A
pasta não informou quais.
Questionado, o
ministério disse não ter informações sobre os estoques. A
reportagem também questionou o Ibama, que acompanhava vendas dos
produtos, mas não recebeu resposta até o momento. Fonte: AmazonasAtual. Veja mais aqui: 07/10/2020 - Após proibição, Anvisa discute nesta quarta-feira se autoriza uso de estoques de agrotóxico associado à doença de Parkinson., e aqui: 07/10/2020 - Anvisa permite uso de estoque de agrotóxico associado a doença de Parkinson. E uma REVIRAVOLTA: 08/10/2020 - Proposta anula decisão da Anvisa de liberar uso de paraquate na próxima safra.