18 de agosto de 2025 - O pegivírus humano (HPgV) — um membro da família dos flavivírus e considerado inofensivo há bastante tempo — surgiu como um potencial gatilho ambiental ou contribuinte para a doença de Parkinson.
Pesquisadores encontraram o vírus no tecido cerebral e no líquor de metade das amostras de pacientes com Parkinson, ao contrário das amostras de pessoas sem a doença, nos quais nenhum sinal do HPgV foi detectado. Embora os cientistas tenham encontrado outros vírus nos cérebros analisados, estes estavam presentes tanto em pessoas com quanto sem Parkinson.
“O HPgV foi o único vírus que encontramos exclusivamente nos cérebros de pacientes com Parkinson em comparação aos indivíduos do grupo de controle”, disse ao Medscape a primeira autora, Dra. Barbara Hanson, Ph.D., ligada ao Departamento de Neurologia e Patologia da Feinberg School of Medicine da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos.
“Na nossa opinião, ainda é muito cedo para chegar a conclusões sobre o papel do HPgV na doença de Parkinson, mas sem dúvidas acreditamos que mais pesquisas precisam ser feitas para determinar se a associação é uma possibilidade”, acrescentou a Dra. Barbara.
O estudo foi publicado on-line recentemente no periódico JCI Insight.
Achado surpreendente
Os pesquisadores analisaram amostras cerebrais post mortem de dez pacientes com Parkinson e de 14 indivíduos controle não afetados, da mesma idade e sexo, usando um método de ensaio laboratorial desenvolvido pela equipe, chamado ViroFind, que permite a detecção de todos os vírus sabidamente capazes de infectar seres humanos em amostras biológicas clínicas.
Eles encontraram o HPgV nas amostras post mortem de metade dos cérebros de pessoas com Parkinson e em nenhum dos cérebros do grupo de controle. O HPgV, um vírus transmitido pelo sangue, pertence à mesma família do vírus da hepatite C, mas não é conhecido por causar uma doença clínica.
“Diversos outros vírus também foram encontrados nos tecidos cerebrais [analisados], mas todos foram identificados tanto nos cérebros dos pacientes com Parkinson quanto nos do grupo de controle. Além disso, eles também eram componentes típicos do viroma cerebral visto em outros estudos”, explicou a Dra. Barbara.
“O HPgV causa uma infecção comum e assintomática, que até então não era conhecida por afetar o cérebro com frequência. Ficamos surpresos ao encontrá-lo nos cérebros de pacientes de Parkinson em uma frequência tão alta e não nos cérebros do grupo de controle”, disse em uma declaração o autor correspondente do estudo, Dr. Igor Koralnik, chefe de Doenças Neuroinfecciosas e Neurologia Global da Universidade Northwestern.
A presença do HPgV também foi acompanhada de alterações neuropatológicas. Pacientes com Parkinson que tiveram o HPgV detectado no tecido cerebral apresentaram alterações neuropatológicas mais avançadas ou únicas, inclusive com um aumento de tauopatias e níveis alterados de certas proteínas cerebrais. Além disso, os níveis de complexina 2 — um marcador de neurotransmissão excitatória — estavam elevados na presença do HPgV.
A infecção por HPgV também foi associada a uma alteração da sinalização imunitária, com uma supressão consistente da sinalização relacionada à interleucina-4 (IL-4), bem como perfis alterados de expressão genética no sistema nervoso central e na circulação sanguínea.
Um olhar mais atento
Uma análise longitudinal de amostras de sangue de mais de 1.000 participantes da Parkinson’s Progression Markers Initiative mostrou uma resposta viral dependente do genótipo.
Em pacientes com a mutação genética relacionada ao Parkinson — no gene LRRK2 —, os perfis de sinalização do sistema imunitário em resposta ao vírus foram diferentes em comparação com pacientes que tinham Parkinson, mas que não apresentavam a mutação.
O achado evidenciando que o sistema imunitário respondia de forma diferente ao HPgV, dependendo do perfil genético de cada paciente, foi inesperado.
“Isso sugere que [o vírus] pode ser um fator ambiental que interage com o organismo de maneiras que não percebíamos antes”, disse o Dr. Igor.
“Nosso plano é analisar mais detalhadamente de que forma genes como o LRRK2 afetam a resposta do organismo a outras infecções virais para descobrir se isso é um efeito específico relacionado ao HPgV ou uma resposta mais ampla aos vírus [de forma geral]”, acrescentou o Dr. Igor.
Tríade gene-ambiente-imunidade
Convidado a comentar sobre a pesquisa, o Dr. Shaheen E. Lakhan, neurologista e pesquisador em Miami, nos EUA, disse que o estudo chamou sua atenção "não apenas por identificar o pegivírus no cérebro de pessoas com a doença de Parkinson, o que por si só já é um achado inédito, mas também por ressaltar uma questão ainda mais profunda: a convergência de genes, ambiente e imunidade na neurodegeneração, ou o que eu chamo de 'tríade gene-ambiente-imunidade'", afirmou ele.
“Em vez de um gatilho único, esse achado sugere que a doença surge da interação entre o risco genético de um indivíduo, infecções latentes ou subclínicas e a maneira como o sistema imunitário responde [a tudo isso]”, disse o Dr. Shaheen, que não participou do estudo.
“Por muito tempo o pegivírus foi considerado inofensivo. Encontrá-lo ativo no cérebro e no líquor de pacientes com Parkinson –– mas não em [indivíduos] controles –– e observar perfis imunitários que mudam conforme o genótipo relacionado ao LRRK2 indica a possibilidade de que esse vírus não seja apenas um comensal. Ele pode ser um modificador, ou até mesmo um catalisador, em um hospedeiro vulnerável”, afirmou o Dr. Shaheen.
O neurologista também apontou que esse padrão triplo de gene-ambiente-imunidade já foi observado, como no caso do vírus Epstein-Barr na esclerose múltipla e o vírus herpes simplex 1 na doença de Alzheimer. Até mesmo o diabetes tipo 1 está sujeito a esse fenômeno, no qual enterovírus como o Coxsackie B podem desencadear a autoimunidade das células beta apenas em pacientes com certos haplótipos de antígeno leucocitário humano (HLA) classe II, disse o Dr. Shaheen.
Ele acrescentou que essas não são simples “histórias de causa e efeito”. “São histórias de interação entre hospedeiro e vírus, gene e ambiente, imunidade e identidade.”
O que diferencia o estudo sobre o pegivírus é a sua profundidade, afirmou o Dr. Shaheen.
“Os pesquisadores não detectaram apenas o RNA viral. Eles mostraram que as vias de sinalização imunitária, especialmente a correlacionada à IL-4, respondem de maneira diferente ao pegivírus dependendo da ausência ou da presença da mutação no gene LRRK2. Não se trata apenas de saber se um vírus está presente, mas de como o organismo reage a ele e como essa reação depende do risco herdado”, explicou ele.
Na sua opinião, o pegivírus pode não desencadear o Parkinson, mas talvez servir como um "segundo estímulo que intensifica a fisiopatologia ou deflagra a doença naqueles que já estão no limiar [da manifestação clínica]", disse.
“Isso pode explicar por que alguns portadores de mutações no gene LRRK2 nunca apresentam a doença, ao passo que outros evoluem com Parkinson, dependendo dos vírus que carregam ou de como seus sistemas imunitários lidam com eles”, acrescentou o Dr. Shaheen.
A ideia de que os vírus podem influenciar o sistema nervoso, a saúde de forma geral e as doenças não é nova, disse o neurologista. No entanto, esse estudo mostra como a resposta imunitária interage com o perfil genético para causar essa influência, ele disse ainda.
“Caso essa linha de pesquisa avance, talvez precisemos repensar fundamentalmente como definimos causalidade em doenças neurodegenerativas”, disse ele. “Não se trata de um único agente agindo isoladamente. É uma questão de um diálogo entre genes, vírus e redes imunitárias. O pegivírus pode ter nos dado um vislumbre de como essa ‘conversa’ se transforma em doença.” Fonte: Medscape.