O paraquat tem sido vendido nos EUA desde os anos 60 e, através de aquisições, fusões e cisões, acabou fazendo parte do catálogo de produtos da Syngenta. Keystone / Charlie Neibergall
13. dezembro 2021 - A multinacional
sediada na Suíça já separou US$ 187,5 milhões (CHF 171 milhões)
para resolver processos judiciais movidos por agricultores expostos
ao Paraquat. Mas as ações contra a empresa estão se acumulando e o
custo total pode chegar aos bilhões.
O agricultor
americano Doug Holliday ajudou a alimentar a nação durante décadas.
Nos arredores de Greenfield, uma cidade rural do estado de Iowa com
cerca de 2.000 habitantes, ele cultivava milho e soja e criava gado
em milhares de acres de terra.
Aos 59 anos,
Holliday, que é casado e tem dois filhos, esperava estar se
preparando para uma aposentadoria tranquila ao lado de sua esposa. Há
três anos, ele diminuiu o tamanho de sua fazenda, que agora tem
apenas 450 acres. Ao invés disso, ele decidiu entrar numa batalha
jurídica contra um dos maiores fornecedores mundiais de pesticidas e
sementes – o grupo suíço Syngenta.
O americano foi mais
um das centenas de agricultores de todo o país que abriram processos
de responsabilidade sobre produtos contra a empresa. Ela está sendo
acusada de negligência em advertir os usuários de que seu herbicida
mais vendido, o Paraquat, está ligado a sérios problemas de saúde,
incluindo a doença de Parkinson. Agricultores expostos ao produto,
incluindo muitos que já desenvolveram o debilitante e incurável
distúrbio cerebral, também estão buscando compensação financeira
por perdas econômicas e não econômicas, tais como custos médicos
e perda de renda.
Durante anos,
Holliday utilizou grandes quantidades de Paraquat, um pesticida
vendido em todo o mundo, sobretudo com o nome de Gramoxone. Ele serve
para controlar ervas daninhas invasivas que afetam as culturas e, nos
EUA, é amplamente utilizado para pulverizar grãos de soja, algodão,
milho e pomares de frutas. Ao longo da última década, diferentes
estudos relacionaram o uso do herbicida a um maior risco de
desenvolver Parkinson. Sendo a 10ª maior causa de morte entre os
maiores de 65 anos nos EUA, a doença foi responsável por quase
35.000 mortes nessa faixa etária em 2019. Um estudo publicado em
2011, promovido pelo Instituto Nacional de Ciências da Saúde
Ambiental, constatou que os usuários do herbicida desenvolveram a
doença neurodegenerativa com 2,5 vezes mais frequência do que os
não usuários.
“Sem saber nada
disso, eu mesmo usei e pulverizei o Paraquat numa grande fazenda
durante os anos 90”, disse Holliday à SWI swissinfo.ch numa
entrevista telefônica. “Eu o manuseei fisicamente e tive que
despejá-lo várias vezes no pulverizador, uma vez que só era
vendido em jarras de 2,5 galões [cerca de 9,5 litros]”.
Os principais
sintomas físicos do Parkinson são tremores, lentidão nos
movimentos e rigidez muscular, enquanto os sintomas cognitivos
incluem depressão e demência. Não há cura para a doença e suas
vítimas são mais vulneráveis a infecções graves e possivelmente
fatais. À medida que os sintomas se agravam cada vez mais, os custos
do tratamento também se tornam mais pesados. A Fundação Parkinson
nos EUA afirma que só a medicação custa em média US$ 2.500 por
ano e o tratamento cirúrgico pode custar até US$ 100.000 por
pessoa.
Embora não tenha
apresentados sintomas, Holliday acredita que tem um maior risco de
desenvolver Parkinson devido à sua exposição ao Paraquat. Se e
quando ele for diagnosticado com a doença, o preço do seu seguro
saúde subirá e ele não terá condições de pagar pelo tratamento
até que se torne elegível para o Medicare, o sistema federal de
seguro saúde para pessoas com 65 anos ou mais. É por isso que o
fazendeiro de Greenfield decidiu entrar com a ação contra a
Syngenta, que em 2016 foi absorvida pela China National Chemical
Corp., uma empresa estatal chinesa.
“Você está
falando com um cara que todos os meses assina um cheque para pagar um
seguro saúde para mim, minha esposa e dois filhos, e o meu seguro
tem uma franquia alta”, disse ele. “O seguro saúde é uma grande
despesa para mim, soma US$ 35.000 por ano e aumenta cada vez mais.”
O Paraquat é
vendido nos Estados Unidos desde os anos 60. Através de aquisições,
fusões e cisões, o produto foi parar no portfólio da Syngenta,
sediada na Basileia. Segundo a empresa, ele não está mais
disponível para venda em 72 países, incluindo a Suíça e a China,
mas ainda é comercializado em outros 27, entre eles os Estados
Unidos, onde é classificado como um pesticida de uso restrito. Isso
significa que os usuários devem ser treinados e certificados para
utilizá-lo.
“Ele é até mesmo
proibido na China, apesar de os chineses serem agora proprietários
da Syngenta”, disse Holliday. “Nós somos quase como cobaias e
estamos pagando o preço.”
Manifestante com
máscara de morte carregando uma enorme cruz negra na frente da sede
da Syngenta
Um número cada vez
maior de pesquisas aponta para os riscos associados ao uso do
Paraquat, e organizações como a Fundação Parkinson e Unified
Parkinson’s Advocacy Council têm feito apelos para que seu
cadastro seja cancelado. Apesar disso, a Agência de Proteção
Ambiental dos EUA (EPA) autorizou, em julho deste ano, a
comercialização do herbicida por mais 15 anos, adicionando apenas
restrições mais rígidas para atender às preocupações com seus
riscos à saúde. A decisão está sendo contestada nos tribunais
pela Earthjustice, uma organização americana de direito ambiental
sem fins lucrativos.
Holliday e outros
agricultores decidiram enfrentar o problema, encorajados por
escritórios de advocacia que viram um paralelo com outro herbicida
popular, o Roundup, acusado de causar linfomas não Hodgkin, um tipo
de câncer.
O Roundup era
produzido pelo grupo agroquímico americano Monsanto, adquirido em
2018 pela multinacional alemã Bayer AG, que atua nas áreas
farmacêutica e da biociência. Em julho deste ano, a Bayer havia
separado US$ 16 bilhões para lidar com litígios envolvendo
aproximadamente 125.000 ações, das quais cerca de 96.000 foram
resolvidas através de acordos e o restante está aguardando o
resultado de recursos na Suprema Corte dos EUA.
A possibilidade de
um novo grande acordo com um gigante agroquímico desencadeou uma
enxurrada de propagandas encorajando agricultores americanos a
entrarem com uma ação judicial contra a Syngenta. Esses estímulos
visavam particularmente agricultores com a doença de Parkinson e
aqueles que tiveram contato com o Paraquat.
“Não vejo muita
TV, mas até eu já vi as propagandas na televisão. Está em todas
as redes sociais também”, disse Holliday.
Em maio, ele entrou
com uma ação coletiva – junto a pelo menos uma centena de outros
agricultores – contra a Syngenta no tribunal do Distrito Sul de
Iowa, acusando a empresa de não alertar os agricultores sobre os
perigos conhecidos e os possíveis riscos do uso do Paraquat. A
Syngenta também é acusada de não testar adequadamente o herbicida,
vender um produto perigoso e negligenciar a correção de seus erros.
Ele quer que a empresa pague por exames médicos e pelo monitoramento
da doença de Parkinson, a fim de garantir que os agricultores tenham
acesso a um diagnóstico precoce e ao tratamento da doença.
Processos judiciais
se acumulam
O caso de Holliday é
um dos cerca de 380 processos, em sua maioria ações coletivas, que
foram abertos nos EUA contra a Syngenta. A empresa, por sua vez, tem
reiterado que “não há provas confiáveis” de que o Paraquat
cause Parkinson, que todas as reivindicações são “sem
fundamento” e que contestará quaisquer ações judiciais. A
Syngenta disse à SWI swissinfo.ch por e-mail que “neste momento,
não pode fazer comentários devido ao litígio em andamento e às
regulamentações do período de silêncio”. A empresa está no
processo de abertura de sua Oferta Pública Inicial (IPO) na Bolsa de
Valores de Xangai. Muitas empresas escolhem estabelecer um período
de silêncio de pelo menos duas semanas antes da cotação, mesmo que
não seja exigido por lei, para evitar riscos de responsabilidade por
informações publicadas antes da oferta de ações.
O primeiro processo
contra a Syngenta foi aberto num tribunal estadual em 2017 por Thomas
e Diana Hoffman, junto a várias outras pessoas. A ação ainda está
aguardando julgamento. O primeiro caso a chegar num tribunal federal
foi iniciado em julho de 2020, no estado do Missouri, em nome de
Henry Holyfield. Ele era um trabalhador agrícola que pulverizava
pesticidas, incluindo o Paraquat, de aviões agrícolas entre 1965 e
1975. Holyfield foi diagnosticado com a doença de Parkinson em 2015.
Em junho, uma turma
de magistrados decidiu que todos os processos federais deveriam ser
agrupados no que é conhecido como mass tort [ação coletiva contra
uma empresa] e encaminhados ao Distrito Sul de Illinois. A juíza
federal Nancy Rosenstengel, que supervisionará a ação
centralizada, estabeleceu a data de 15 de novembro de 2022 para o
julgamento do júri. De acordo com dados compilados pela United
States Judicial Panel on Multidistrict Litigation, em meados de
outubro, havia aproximadamente 330 ações em tribunais federais e 50
em tribunais estaduais, embora não esteja claro quantos indivíduos
estão envolvidos.
“O que isso
significa é que um juiz federal coordenará a investigação, os
depoimentos e a produção de documentos para que o processo legal
transcorra calmamente para ambos os lados”, disse Lawrence Cohan,
do escritório de advocacia Saltz Mongeluzzi & Bendesky, que
trabalha com litígios de exposição a produtos químicos há mais
de 40 anos. “Mas, em última instância, cada indivíduo tem
direito a seu próprio julgamento.”
Em abril, a firma de
Cohan abriu um processo em nome de uma pessoa acometida por Parkinson
e sua esposa no tribunal distrital do distrito leste da Pensilvânia.
Ele quer um julgamento com júri para seus clientes, a menos que a
Syngenta esteja pronta para oferecer um “acordo justo e adequado”.
Cohan recusou-se a revelar por qual quantia seus clientes fariam um
acordo e disse que é muito cedo para prever o valor total que a
Syngenta terá que desembolsar para atender todas as alegações.
“Cada vítima
experienciou sua própria perda e é impossível projetar o valor de
uma ação no vácuo”, disse ele. “Algumas pessoas com a doença
de Parkinson têm consequências catastróficas e vidas extremamente
difíceis; elas se tornam deficientes, incapazes de trabalhar ou
criar uma família, e o Parkinson pode levar a uma morte difícil e
dolorosa. Cada caso terá que ser avaliado individualmente”.
No entanto, alguns
escritórios de advocacia, como Miller & Zois, sediado em
Maryland, tentaram oferecer uma estimativa aos possíveis clientes.
“O litígio sobre
a responsabilidade pelo produto Paraquat ainda está nos estágios
iniciais, portanto ainda não houve nenhum acordo”, disse a firma
na página dedicada ao Paraquat em seu website. “Todavia, com base
em acordos de casos envolvendo alegações e lesões similares,
acreditamos que as ações sobre o Paraquat poderiam chegar a um
valor de US$ 150.000 a US$ 240.000.”
Em seu relatório
financeiro semestral, divulgado no final de agosto, a Syngenta
revelou que havia “chegado a um grande acordo com alguns autores de
ações sobre o Paraquat” e destinado US$ 187,5 milhões a um fundo
voltado para financiar acordos. A empresa também declarou que não
acredita que nenhuma das alegações tenham fundamento e que o acordo
foi feito “com o único propósito de pôr fim a tais ações”.
É pouco provável
que haja tantas ações contra o Paraquat quanto contra o Roundup.
Isso se deve ao fato de que o Roundup podia ser usado por qualquer
um, enquanto, para utilizar o Paraquat, os agricultores precisam
passar por um programa de treinamento aprovado pela EPA a fim de se
qualificarem como “aplicadores certificados”. O treinamento –
obrigatório desde 2016 – deve ser repetido a cada três anos.
Preocupações na
Suíça
Embora o Paraquat
tenha sido proibido na Suíça em 1989, o governo tem se preocupado
cada vez mais com o impacto da exposição a pesticidas na saúde dos
agricultores. Ele encomendou um relatório a fim de analisar a
questão para a elaboração de um plano de ação nacional que visa
reduzir o uso de produtos fitossanitários. Tanto o relatório quanto
o plano de ação nacional foram publicados em 2017.
Uma meta-análise da
literatura científica feita pelos autores do relatório concluiu que
havia “evidências moderadas” ligando a exposição ao Paraquat à
doença de Parkinson. O relatório também declarou que, entre os
usuários regulares de qualquer produto fitossanitário, a exposição
apresentava um risco de 50% ou mais de desenvolver Parkinson. No
entanto, o relatório concluiu que eram necessárias mais evidências
relacionadas à exposição a classes específicas de pesticidas e
princípios ativos.
Até agora, contudo,
nenhum progresso foi feito na coleta dessas evidências.
“Não há nenhum
estudo na Suíça que analise a saúde dos agricultores e o uso de
agroquímicos”, disse Aurélie Berthet, pesquisadora da Unisanté –
o Centro de Cuidados Primários e Saúde Pública da Universidade de
Lausanne, no oeste da Suíça – e uma das autoras do relatório de
2017. “Outro problema é que, na Suíça, o médico não registra a
profissão do paciente. Então, não temos nenhuma informação sobre
doenças ocupacionais, o que seria muito bom para estudos
epidemiológicos.”
A saúde dos
agricultores tem sido negligenciada porque eles são um grupo pequeno
e não estão cobertos por seguros saúde ocupacionais como outras
profissões, disse. Além disso, estudar um grupo de agricultores por
um longo período de tempo é muito caro e, na Suíça, é difícil
conseguir financiamento para pesquisar os efeitos de uma determinada
exposição a pesticidas. Como resultado, cientistas e autoridades
passaram a confiar em resultados extrapolados de pesquisas sobre
grupos de agricultores na França e na Alemanha.
Nos EUA, por outro
lado, não há tal escassez de pesquisas e dados, e os advogados, que
geralmente não cobram nada a não ser que ganhem a ação, veem uma
grande possibilidade de vitória, especialmente após o sucesso da
ação contra a Bayer e o Roundup.
De acordo com um
boletim informativo publicado pela Syngenta, o Paraquat representa
hoje menos de 2% do seu total de vendas e 1% de seu lucro. Mas, a
longo prazo, ele pode se tornar um problema para a empresa, tanto no
que diz respeito à sua imagem quanto em custos financeiros. Estes
últimos ainda não são quantificáveis, mas os US$ 187,5 milhões
que a empresa reservou provavelmente serão apenas uma pequena
parcela do custo total, que pode levar vários anos para ser
determinado.
As primeiras ações
relacionadas ao Roundup foram abertas contra a Monsanto em 2015, mas
foi apenas em 2020 que a Bayer concordou com em aceitar o acordo
inicial de US$ 10,9 bilhões, que foi posteriormente aumentado para
US$ 16 bilhões em 2021. E pode ser que os autores das ações só
recebam esse dinheiro em 2022.
A espera pode ser
longa demais para algumas vítimas do Paraquat, uma vez que é
provável que morram antes que qualquer acordo seja feito e o
dinheiro seja pago. Holliday, que ainda está saudável, pode ser um
dos sortudos.
“O objetivo final
é conseguir um acordo financeiro e os exames”, disse Holliday.
“Precisamos de exames para que as pessoas que tiveram contato com o
Paraquat possam se antecipar e tomar remédios que retardarão a
doença de Parkinson.” Fonte: Swissinfo.