6 de dezembro de 2024 - É possível determinar a data exata em que um paciente vai morrer? Embora isso ainda não seja uma realidade, em alguns casos já é possível chegar bem perto dessa previsão.
Estudo publicado em outubro no periódico Clinics [1] avaliou dados de mais de 40 mil pessoas com doença de Parkinson no Brasil e revela que a mortalidade desse grupo segue um padrão no país.
Segundo os pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os óbitos são mais frequentes no inverno, particularmente no mês de julho, e por volta das nove horas da manhã.
Os autores analisaram 43.072 óbitos de pessoas com doença de Parkinson registrados entre 2000 e 2017 no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), base de dados do DataSUS do Ministério da Saúde. Todos os pacientes incluídos na análise tinham a indicação de CID-10 referente à doença de Parkinson (G20) em algum campo do atestado de óbito.
Para avaliar a possível existência de um padrão na mortalidade dessa população, o grupo da Unifesp utilizou um método matemático desenvolvido por Damineli et al., que investiga ciclos biológicos em diferentes grupos de animais.[2]
Os resultados mostram que, de fato, os óbitos de pessoas com doença de Parkinson seguem um ciclo anual, mensal e diário, com mais mortes ocorrendo no inverno, principalmente no mês de julho, e com pico por volta das nove horas da manhã.
Aumento da mortalidade: explicação vai além da temperatura
Em entrevista ao Medscape, o Dr. Marcelo Fonseca, que é médico, professor da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) e um dos autores do estudo, explicou que, como os pacientes com Parkinson geralmente são idosos, esse grupo é, por si só, mais vulnerável.
Assim, o aumento de óbitos em períodos com maior exposição a temperaturas mais baixas não foi uma surpresa.
Por outro lado, uma questão chamou a atenção dos pesquisadores: “No Brasil, essas baixas temperaturas não são tão baixas assim, não no nível da Europa e dos Estados Unidos. Então perguntamos o que estava acontecendo”, pontuou o Dr. Marcelo.
Buscando responder a essa dúvida, os autores conduziram uma análise de mediação. O método possibilitou visualizar graficamente três variáveis: exposição, desfecho e fatores de mediação.
A análise revelou que o desfecho de morte é causado pela baixa exposição à luz solar. "A baixa exposição à luz causa temperaturas mais baixas, mas o contrário não é verdadeiro. Ou seja, temperaturas mais baixas não causam baixa exposição à luz. Assim, dentro desse raciocínio da análise de mediação, isso faz com que a temperatura seja denominada como mediadora, porque ela faz parte da fisiologia que gera o aumento dos casos de morte, mas ela não gera a exposição, que é a baixa intensidade de luz", disse o Dr. Marcelo.
Por que a baixa exposição à luz gera aumento de mortalidade?
Um dos principais fatores reguladores do nosso ciclo circadiano é a exposição à luz. Coincidentemente, a alteração do ciclo circadiano é uma das primeiras manifestações não motoras da doença de Parkinson.
Segundo o Dr. Marcelo, a baixa exposição à luz solar pode desencadear uma série de alterações, por exemplo, no sono. Pode levar a distúrbios como insônia, parassonia, sonolência diurna e apneia obstrutiva do sono. Também pode promover aumento da pressão arterial durante a noite.
"Deveríamos reduzir a nossa pressão arterial à noite, porém, sem a exposição à luz e sem o controle do ciclo circadiano que acontece preponderantemente em idosos e, principalmente, naqueles com Parkinson, ocorre o aumento da pressão arterial à noite", explicou.
Outras alterações que acontecem à noite em períodos do ano em que há baixa exposição à luz solar são o aumento anômalo da frequência cardíaca e da variabilidade da frequência cardíaca. O especialista cita, ainda, a disfunção neuroendócrina e a redução dos níveis de vitamina D.
Já pela manhã o cenário muda. O Dr. Marcelo afirmou que, quando a pessoa acorda, ocorre liberação do fluxo de sangue de volta para o coração em uma velocidade maior e também liberação de hormônios de estresse, como cortisol e epinefrina, para preparar nosso organismo para o dia que temos pela frente.
“Temos então uma pessoa que já é vulnerável, que geralmente já tem outras comorbidades, que é idosa, que manteve o coração trabalhando mais intensamente noites inteiras por causa do inverno — período em que os dias são mais curtos — e, de repente, o fluxo sanguíneo aumenta junto com uma descarga de epinefrina. Como consequência, podemos ter picos hipertensivos, acidente vascular cerebral e desencadeamento de insuficiência cardíaca”, destacou o médico da Unifesp.
Além disso, o autor lembrou que a principal causa direta de morte nas pessoas com doença de Parkinson é a pneumonia, o que foi ratificado no estudo da Unifesp.
Segundo o Dr. Marcelo, uma pessoa que está com pneumonia e que, como ele explicou, tem uma grande alteração matinal no sistema cardiovascular fica ainda mais suscetível a um desfecho negativo.
Outro ponto de destaque é que, no Brasil, como em outros países mais quentes, nossos organismos não têm mecanismos de adaptação às baixas temperaturas, como acontece com quem vive em países mais frios.
Há, portanto, um somatório de fatores que leva ao aumento da mortalidade entre pacientes com doença de Parkinson durante o inverno no Brasil. “A redução da exposição à luz solar em longo prazo aumenta o risco de morte diretamente pelas alterações que causa no ciclo circadiano. Por outro lado, as baixas temperaturas desencadeiam maior risco de morte no curto prazo”, destacou o Dr. Marcelo.
Para o especialista, os resultados do grupo da Unifesp levantam uma hipótese cientificamente plausível, mas que ainda carece de mais estudos. Se comprovados, os achados apontam para a importância de expor regularmente o paciente com doença de Parkinson à luz solar. Outros fatores importantes são a hidratação e o convívio social.
Essas orientações devem ser reforçadas pelos profissionais da saúde. “Isso vale para os neurologistas que, geralmente, são os profissionais que atendem pacientes com Parkinson. Porém, em termos de saúde pública, temos muitas pessoas com a doença sendo atendidas pelo clínico nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Então o profissional [responsável pelo atendimento] tem que ficar atento”, ressaltou o autor.
O que a comunidade médica acha desses resultados?
Para o Dr. Pedro Renato de Paula Brandão, médico e vice-coordenador do Departamento Científico de Transtornos do Movimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), os resultados do estudo da Unifesp estão alinhados a dados que sugerem maior vulnerabilidade das pessoas com doença de Parkinson a fatores sazonais.
Em entrevista ao Medscape, o Dr. Pedro lembrou que, no inverno, a incidência de infecções respiratórias tende a ser maior, o que é muito relevante, dado que são uma das principais causas de morte nesses pacientes.
“Além disso, o frio pode agravar os sintomas cardinais da doença de Parkinson, dificultando ainda mais a mobilidade e aumentando o risco de quedas e outras complicações. A redução de atividades físicas, comum nos meses mais frios, também pode contribuir para um estado geral de menor reserva funcional e aumento da fragilidade”, destacou.
Sobre o pico de mortes na parte da manhã encontrado na pesquisa, [1] o especialista da ABN ressalta que talvez ele possa ser explicado por fatores relacionados ao ciclo diário de vulnerabilidade desses pacientes.
“Pela manhã, muitos pacientes têm maior rigidez e flutuações motoras (períodos off matinais, com menores níveis de dopamina no cérebro) antes que os medicamentos comecem a fazer efeito, o que pode aumentar o risco de eventos adversos, como engasgos e quedas”, lembrou o Dr. Pedro.
Ele acrescentou que o início da manhã também é um momento de maior atividade, com a necessidade de realizar tarefas básicas como se levantar, se alimentar e se locomover, o que pode representar um esforço físico adicional exatamente quando os pacientes ainda não estão sob efeito ótimo do medicamento dopaminérgico.
Além disso, o especialista disse que pacientes com doença de Parkinson comumente apresentam flutuações na pressão arterial, como hipotensão ortostática logo após acordar, o que os predispõe a síncopes e quedas.
Para o Dr. Pedro, os resultados da pesquisa da Unifesp reforçam a importância de incorporar adaptações no plano de cuidados dos pacientes com Parkinson ao longo do ano.
“No inverno, período de maior vulnerabilidade, devemos intensificar a prevenção de infecções respiratórias, principalmente garantindo a atualização anual das vacinas contra gripe e pneumonia”, considerou.
Outras medidas que podem ser implementadas, segundo ele, são o ajuste da fisioterapia e dos exercícios físicos para buscar compensar a tendência à redução de atividades nessa época, além de manter a temperatura ambiente adequada.
“Quanto ao período matinal, identificado como horário de maior risco, recomenda-se atenção especial à programação dos medicamentos, assistência nas primeiras atividades do dia e monitoramento da pressão arterial, além de adaptações ambientais para reduzir riscos de quedas”, destacou.
Segundo o Dr. Pedro, embora a implementação dessas medidas dependa de recursos e características individuais de cada paciente e de cada família, o potencial impacto na redução de complicações e mortalidade justificaria sua adoção dentro de uma abordagem de cuidados personalizada e individualizada. Fonte: Medscape.
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