segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Transplante fecal: uma nova abordagem para a doença de Parkinson?

19 de agosto de 2024 - O transplante de microbiota fecal para a doença de Parkinson é seguro, mas não oferece melhora clinicamente significativa dos sintomas, mostram os resultados de um novo estudo randomizado controlado por placebo.

No entanto, os pesquisadores obtiveram ideias interessantes que podem orientar futuros “ensaios aprimorados e, esperançosamente, bem-sucedidos” com essa intervenção.

“São necessários mais estudos — por exemplo, através de abordagens modificadas de transplante de microbiota fecal ou limpeza intestinal”, concluíram.

O estudo foi publicado on-line no peiródico JAMA Neurology em 29 de julho.

Disfunção intestinal, um sintoma precoce

Os pesquisadores, liderados pelo Dr. Filip Scheperjans, médico do Helsinki University Hospital, na Finlândia, explicaram que a disfunção intestinal é um sintoma precoce e prevalente na doença de Parkinson, associada a uma progressão mais rápida da doença.

Intervenções direcionadas à microbiota intestinal, como o transplante de microbiota fecal, mostraram efeitos sintomáticos promissores e potencialmente neuroprotetores em modelos animais com doença de Parkinson.

Embora diversos ensaios clínicos randomizados sugiram a eficácia de probióticos para tratar a constipação relacionada à doença de Parkinson, apenas informações clínicas limitadas sobre o transplante de microbiota fecal estão disponíveis.

No estudo atual, 48 pacientes com a doença, com idades entre 35 e 75 anos, apresentando sintomas leves a moderados e disbiose da microbiota fecal, foram randomizados em uma proporção de 2:1 para receber transplante de microbiota fecal ou placebo infundidos no ceco por meio de colonoscopia.

Todos os pacientes realizaram lavagem intestinal total a partir do dia anterior à colonoscopia. O transplante de microbiota fecal foi administrado em dose única e sem pré-tratamento com antibióticos.

O tratamento ativo consistiu em uma preparação congelada de 30 g de fezes de um dos dois doadores, que eram indivíduos saudáveis sem disbiose. A preparação foi misturada com 150 ml de solução salina fisiológica estéril e 20 ml de glicerol a 85% para crioproteção, melhorando a viabilidade dos microrganismos. O placebo foi apenas a solução carreadora, composta por 180 ml de solução salina fisiológica estéril e 20 ml de glicerol a 85%.

O desfecho primário, uma mudança nos sintomas da doença de Parkinson avaliada na Escala Unificada de Avaliação da Doença de Parkinson (UPDRS) aos seis meses, não mostrou diferenças entre os dois grupos de estudo.

Os eventos adversos gastrointestinais foram mais frequentes no grupo do transplante de microbiota fecal, ocorrendo em 16 pacientes (53%) versus um paciente (7%) no grupo placebo. No entanto, nenhuma preocupação importante quanto à segurança foi observada.

Os desfechos secundários e análises post hoc mostraram um aumento maior na medicação dopaminérgica, o que pode indicar uma progressão mais rápida da doença, mas também uma melhora em certos desfechos motores e não motores no grupo placebo.

As alterações na microbiota foram mais pronunciadas após o transplante de microbiota fecal, mas o estado de disbiose foi revertido com mais frequência no grupo placebo.

Os pesquisadores observaram que a aparente futilidade deste estudo contrasta com vários pequenos estudos clínicos anteriores de transplante fecal que sugeriram o potencial de melhora dos sintomas da doença de Parkinson.

Além disso, resultados encorajadores no campo dos probióticos sugerem que é possível impactar os sintomas motores e não motores da doença de Parkinson por meio da manipulação da microbiota intestinal.

Os pesquisadores levantaram a possibilidade de que o procedimento placebo não seja um comparador inerte, dada a alteração relativamente forte e sustentada da microbiota intestinal e a conversão da disbiose observada no grupo placebo. Eles sugeriram que a limpeza do cólon também pode ter proporcionado algum efeito benéfico.

“Parece possível que, após a limpeza de uma microbiota intestinal disbiótica, a recolonização leve a uma composição mais fisiológica da microbiota intestinal, resultando em melhora dos sintomas no grupo placebo. Isso justifica uma análise mais aprofundada de abordagens modificadas de transplante de microbiota fecal e limpeza intestinal na doença de Parkinson”, concluíram.

Microbioma intestinal distinto

Em um editorial que acompanhou o estudo, o Dr. Timothy R. Sampson, Ph.D., da Emory University School of Medicine, nos Estados Unidos, apontou que dezenas de estudos independentes demonstraram uma composição distinta do microbioma intestinal associada à doença de Parkinson. Dados experimentais sugerem que essa composição tem a capacidade de incitar respostas inflamatórias, degradar a mucosa intestinal e desregular uma série de moléculas neuroativas e amiloidogênicas, potencialmente contribuindo para a progressão da doença.

Ele observou que três outros pequenos estudos controlados por placebo sobre transplante fecal na doença de Parkinson mostraram respostas um pouco mais robustas no grupo de tratamento ativo, incluindo melhoras na pontuação da Escala Unificada de Avaliação da Doença de Parkinson e nos sintomas gastrointestinais.

No entanto, estes estudos testaram diferentes procedimentos de transplante de microbiota fecal, incluindo cápsulas orais liofilizadas administradas em diferentes frequências de dosagem e transfusão nasojejunal ou cólica após uma preparação intestinal padrão.

Além disso, não há consenso sobre procedimentos pré-transplante, como uso de antibióticos ou depuração intestinal. A escolha do microbioma do doador também é provavelmente essencial, pois certos microrganismos podem ser necessários para deslocar toda a comunidade, escreveu o Dr. Timothy.

A compreensão de como as contribuições microbianas se relacionam diretamente com a doença de Parkinson poderia identificar indivíduos com maior probabilidade de responder a intervenções periféricas. É necessária uma avaliação mais aprofundada para esclarecer os microrganismos específicos que justificam o direcionamento para enriquecimento ou esgotamento, acrescentou.

“Apesar da falta de eficácia do desfecho primário neste último estudo, uma comparação minuciosa entre ambas as pesquisas pode ajudar a refinar as abordagens de transplante de microbiota fecal. Juntos, esses estudos continuarão a aprimorar a hipótese de uma contribuição microbiana para a doença de Parkinson e revelarão novos caminhos de tratamento”, concluiu o Dr. Timothy.

‘Plantando grama em um quintal cheio de ervas daninhas’

Comentando para o Medscape, o Dr. James Beck, Ph.D., diretor científico da Parkinson's Foundation, nos EUA, disse que ainda não foi determinado se o transplante de microbiota fecal é útil.

“A questão principal a ser resolvida é como realizar esses transplantes da melhor forma. Um problema é que você não pode plantar grama quando o quintal está cheio de ervas daninhas. No entanto, se você adotar uma abordagem muito agressiva para matar as ervas daninhas — isto é, com antibióticos potentes —, você coloca em risco a nova grama ou, neste caso, as bactérias no transplante. Resolver esse problema será importante enquanto consideramos se isso é eficaz ou não”.

O Dr. James acrescentou que ainda há muito a aprender com as pesquisas da microbiota intestinal. “Tenho esperança de que, com mais esforços, teremos respostas em breve”. Fonte: Medscape.

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