sexta-feira, 8 de julho de 2022

O mal do século XXI

Porto Alegre, 8 de julho do ano da graça de 2022.

Pois é. Será que será o mal do século? Não querendo ser pessimista, lembro que cumprimos apenas 1/5 deste século… que promete…

Eu, pela minha idade, segunda metade do século XX, lembro da minha primeira decepção, ante a conjuntura que era boa (bossa nova, cinema novo, o Brasil conquistando uma identidade), apesar do golpe de 64. Foi a copa de 66 com Pelé e Garrincha. Embalado pelo clima de 58 e 62, tomar de 3 a 1 de Portugal do Eusébio e também da Hungria, só vencendo a Bulgária com dois gols (Pelé e Garrincha) de bola parada foi a minha primeira grande decepção com o Brasil.

Depois disso a conquista da lua pelos americanos em contraposição ao russo Gagarin, que disse Земля синяя (“a terra é azul”). Um pequeno passo para um homem, um grande salto para a humanidade! Lembro que só existiam fotos em preto e branco da Rússia, no auge da guerra fria.

Após recuperei a autoestima de brasileiro perdida em 66 ao ter Pelé, Tostão, Rivelino, … ganhando o caneco 70.

Até aí empate, mas depois veio o fim do regime militar, onde já se ouvia a voz dos descontentes, que até então era sufocada à ferro e fogo. Este é um país que vai p´ra frente, ô,ô,ô,ôô!

E o cordão dos descontentes só aumentou, agora, afora a questão política (direita x esquerda) temos as questões raciais, sexuais, enfim… das maiorias (negros) às minorias (LGBTQIAxyz).

Ainda tem as questões dinâmicas de meio-ambiente, crise climática, doenças induzidas por agro-tóxicos, agronegócio e pecuária predatórios, o garimpo, os assassinatos e, o pior de tudo, a uberização do mundo, a inteligência artificial e o escambau. Aí fecha o pano com o corona! E a guerra na Ucrânia/Criméia, que já era citada por Machado de Assis em Dom Casmurro, na 2a metade do século 19. Pátria amada Brasil.

E tenho que ser otimista, mas me remete ao Comportamento Geral, do Gonzaguinha (1973), quando ainda existia música de protesto, que afinal foi proibida e depois liberada… Ouçam e reflitam se não é atual?

Mas passado 1/5 do século muita coisa nos está reservada, a conquista de Marte (?), I.A.. Receberei o diploma de bem comportado? E ainda tendo que aguentar o bozo?

Pó pará que eu quero descer!

Idosos ao volante. "Quero continuar a ter a minha independência"

por SARA PORTO

08/07/2022 - Segundo os dados do IMT, em Portugal, com título de condução válido com mais de 90 anos, há 765 mulheres e 8.289 homens. Uns por gosto, outros por necessidade...No mês passado, Candida Uderzo, uma italiana com 100 anos, surpreendeu o mundo ao renovar a sua carta de condução.

Em bebés brincamos com carrinhos miniatura. Em criança há quem receba e se deslumbre com carrinhos telecomandados ou mesmo por aqueles maiores a bateria, alimentando o imaginário daquilo que será conduzir. Quando a adolescência se aproxima e com ela o desejo de independência, uma das primeiras coisas que nos vem ao pensamento é tirar a carta, comprar um carro e “percorrer o mundo”. Mas e quando passam os anos? Como é que o envelhecimento acaba por interferir na condução? Em que idade se perde as competências para fazê-lo e de que forma se lida com isso? No mês passado, o mundo ficou a conhecer a história de Candida Uderzo, uma italiana centenária com carta de condução renovada. A idosa teve a sua carta de condução renovada aos 100 anos de idade, tornando-se, segundo o The Guardian, “pelo menos a terceira centenária do país, nos últimos anos, considerada apta para se sentar ao volante”. De acordo com o jornal britânico, a italiana recebeu uma nova carta de condução após passar no exame oftalmológico numa escola de condução na província de Vicenza, no norte de Itália.

Interrogada pelo Corriere della Sera, sobre o porquê de com essa idade continuar a querer conduzir, Candida revelou que gosta de ter “autonomia” e de “não ter de depender do seu filho para se deslocar a qualquer lado”. Além disso, a centenária avançou que a sua visão “é tão boa que consegue ler o jornal sem precisar de óculos”: “Estou feliz com esta renovação e também me fará sentir um pouco mais livre”, avançou Uderzo ao jornal italiano. “Tenho sorte, tenho 100 anos de idade, e ser tão saudável é uma surpresa para mim também!”, contou. Segundo a mesma, o segredo para a vitalidade passa por saber “desfrutar da vida”. Depois de ter ficado viúva aos 52 anos, foi no exercício físico que “encontrou uma forma de manter o seu corpo e mente jovens”. As longas caminhadas com amigos ajudaram-na a “lidar com a dor” e, depois de se reformar, juntou-se a um grupo de caminhadas, não perdendo um único passeio desde então. “Todos os domingos às seis da manhã estou pronta para ir”, adiantou. Além de Candida, no ano passado, um homem na Sicília que fez 100 anos também celebrou a renovação da sua carta de condução ao comprar um carro novo, dizendo, na altura, à imprensa local, que “nunca tinha tido um acidente na sua vida”. A verdade é que, atualmente, os idosos conduzem com mais frequência e até uma idade mais tardia e, normalmente, para um idoso a decisão de deixar de fazê-lo pode ser um tema bastante delicado. Em Portugal, por exemplo, com o título de condução válido com mais de 90 anos, existem 765 mulheres e 8 289 homens. Gustavo é um deles, e aos 95 anos diz que se sente mais do que apto para conduzir. “Era o que faltava não me deixarem conduzir. Faço toda a minha via normal e não perdi as faculdades de conduzir”.

A lei portuguesa

Segundo o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), em Portugal, legalmente, não existe uma idade limite para se deixar de conduzir. De acordo com os dados fornecidos pelo instituto, em 2021 e 2022 até dia 28 de junho foram 1 179 571 os pedidos de revalidação – 136 345 de pessoas com mais de 80 anos. A revalidação da carta de condução dos condutores do Grupo 1 (cat. AM, A1, A2, A, B1, B, BE e T) que tenham idade igual ou superior a 60 anos “está condicionada à apresentação de atestado médico que comprove as condições mínimas de aptidão física e mental”. “Os condutores com idade igual ou superior a 70 anos que pretendam revalidar a sua carta de condução devem apresentar ao médico que os avaliar o relatório do seu médico assistente no qual conste informação sobre os seus antecedentes (com indicação de eventuais doenças cardiovasculares e neurológicas, diabetes e perturbações do foro psiquiátrico)”, elucidou o IMT, acrescentando que “quanto à revalidação da carta de condução dos condutores do Grupo 2 (cat. C1, C1E, C, CE, D1, D1E, D, DE e B e BE com o averbamento da 997), que tenham idade igual ou superior a 50 anos para além do atestado médico estão também obrigados a apresentar certificado de avaliação psicológica”.

No que toca ao número total de condutores com mais de 80 anos, por idade e género (dados de 01/06/2022), são 26 862 as mulheres que com mais de 80 anos conduzem e 138 262 os homens, ou seja, 165 124 pessoas. No ano passado, no entanto, o número era mais baixo: 160 608. Isto, tendo em conta, explica o IMT, que a partir do ano 2021, “a licença de condução de veículos agrícolas foi extinta e a habilitação na categoria de veículos agrícolas transitou para a carta de condução, o qque poderá impactar no aumento de número de títulos de condução ativos”. “Na medida em que a maioria dos condutores de tratores agrícolas são condutores mais idosos”, sublinhou o instituto. Além disso, o IMT fez questão de frisar que o gráfico correspondente ao número de condutores por faixa etária, “diz respeito ao número de condutores independentemente da categoria a que se encontram habilitados, ou seja, abrange condutores das categorias”. “Os menores que se encontram contabilizados podem conduzir ciclomotores de duas rodas caracterizados por um motor de combustão interna de cilindrada não superior a 50 cm3, com velocidade máxima em patamar e por construção não superior a 45 km/h, ou cuja potência nominal máxima contínua não seja superior a 4 kW, se o motor for elétrico e frequentem com aproveitamento ação especial de formação ministrada por entidade autorizada para o efeito pelo IMT”, esclareceu o organismo, acrescentando que os de 16 anos podem conduzir “veículos de duas ou três rodas e quadriciclos ligeiros”.

O risco de acidentes rodoviários

Apesar destes altos números, segundo o Lares Online (plataforma informativa especializada em consultoria de equipamentos e serviços de cuidados para idosos), “o risco de acidente rodoviário aumenta em condutores com mais de 75 anos ou idosos que só conduzem esporadicamente”. E, apesar de não existir uma base científica que permita afirmar que os condutores com mais idade são aqueles que têm maior propensão para causar acidentes rodoviários, de acordo com a plataforma, “são cada vez mais frequentes as notícias de sinistros que envolvem idosos”. Em dezembro do ano passado, por exemplo, um homem de 79 anos percorreu dez quilómetros em contramão na A1 porque se tinha enganado no caminho. Há três semanas, um veículo ligeiro onde seguia um casal de idosos com cerca de 70 anos despistou-se e capotou na autoestrada A1, na zona de Estarreja, no distrito de Aveiro. O homem que seguia ao volante da viatura ficou encarcerado e não resistiu aos ferimentos, acabando por falecer, tendo o óbito sido declarado no local. A esposa, por sua vez, foi levada para o hospital em estado grave. Segundo a plataforma, a maioria dos acidentes com condutores idosos acontece “a baixas velocidades, em cruzamentos ou em caso de alteração de sentido”. Porquê? Devido à diminuição, com o passar dos anos, das “nossas capacidades físicas, funcionais e cognitivas”. E, quando assim o é, o cenário “deixa de ser seguro, tanto para os próprios idosos, como para outros condutores e peões”, lê-se no Lares Online. Por essa razão, a legislação portuguesa prevê que a carta de condução seja revalidada à medida que o condutor vai envelhecendo. Segundo o IMT, até aos 60 anos esta tem que ser revalidada de 15 em 15 anos, depois dessa idade – momento em que a pessoa já é considerada idosa (classificação da Organização Mundial de Saúde) – passa a ter que fazer a revalidação aos 65 anos, aos 70 anos e, a partir dessa idade, de dois em dois anos.

A complexidade da sinalização

Júlio Nunes, de 81 anos, natural de Sines, passou a sua infância no campo, com os pais e os quatro irmãos. Aos 7 anos já ajudava o pai nos trabalhos da lavoura e construía os seus próprios brinquedos, utilizando os mais diversos materiais. Contudo, só começou a conduzir no ano 1972 e nunca tinha pegado num carro antes disso. “Ao contrário de muita gente da minha idade, que costumava pegar no carro logo em novo com ajuda do pai, a primeira vez que peguei num foi mesmo numa escola de condução, com um instrutor!”, contou o artesão ao i, orgulhoso. Nessa altura a única coisa que tinha conduzido tinha sido uma bicicleta a pedal, mas desde muito jovem que queria tirar a carta. “Sempre quis tirar a carta, mas naquela altura, as condições não permitiam. Ganhava-se muito pouco! Assim que eu me vi com a possibilidade, quando juntei um dinheirinho, foi a primeira coisa que fiz. Passei logo!”, lembrou, reforçando que era uma coisa que queria tanto que “não teve problemas nenhuns em aprender”. “Sentia-me muito bem ao volante. Era uma forma de independência. Lembro-me de uma vez em que o meu instrutor foi dar uma volta de carro comigo e saiu do carro… Disse-me depois para arrancar sozinho, dar a volta e regressar. Tinha tido poucas aulas, andava sempre com ele… Mas eu fui e vim! Não é que me sentisse plenamente seguro, mas foi uma boa sensação. Desde aí, nunca parei”, afirmou. O seu primeiro carro foi um Fiat 600 D que comprou por 18 contos: “Era o único dinheiro que tinha, fiquei mesmo sem nada”, revelou. A maior parte das grandes viagens era para levar a sua filha, que é música, aos concertos. “Sempre a acompanhei e, por isso, ao longo da vida ainda fiz muitos quilómetros”, explicou. Em todos estes anos, Júlio não teve um único acidente, segundo o mesmo, por “ser muito cuidadoso”. Interrogado sobre as diferenças que sente com o passar do tempo, Júlio conta que só começou a senti-las no ano passado: “Ando mais devagarinho e tenho muito mais cuidado, por causa dos reflexos. Eu às vezes não consigo reagir logo, por isso preciso de ter mais calma. Temos de estar atentos à visão, à audição e, nesta idade, principalmente não confiar nos outros”, alertou, lamentando que “isto hoje já não é como era antigamente”. “Parece que as pessoas já não querem saber das regras da estrada… Então em cidades pequenas com piscas… É muito perigoso. Não colocam, não sabemos para onde vão virar. Como os meus reflexos já não são os mesmos, tenho de ter mais cuidado nesse tipo de situação, por exemplo. Eu não entro nos cruzamentos e rotundas sem os carros passarem primeiro”, admitiu. Além disso, para si, hoje em dia “há tanto sinal diferente de quando tirou a carta que a maior parte deles nem sequer os vê”. “Não reparo neles. É uma coisa muito automática”, lamenta. Se antes gostava, agora, conduzir chega mesmo a aborrecê-lo! “Até evito! Estou mais em casa. Antes ia passear, ver família, praia… Agora vou às compras. Já não tenho aquele vício de estar sempre a pegar no carro”, afirmou. Contudo, deseja ter essa possibilidade durante mais anos. “Enquanto me deixarem, enquanto os exames forem deixando”, suspirou.

O gosto pela condução

Osvaldo Godinho, de Vila Nova de Santo André, de 85 anos, começou a conduzir em 1959 e, ao contrário de Júlio, aprendeu em casa com os seus familiares. Depois de ter as técnicas aprimoradas e ser maior de idade, propôs-se a exame e passou. “Tirei a carta com 19 anos, mas já conduzia muito! Nessa altura era normal isso acontecer! Roubava o carro do meu pai à noite e ia dar umas voltas. Era para fazer ‘banga’, como se dizia na altura. Para dar charme!”, brincou com o i. Para si, “era uma maravilha”: “Aproveitava todos os minutinhos para dar uma voltinha. E depois as boleias… Dava boleias a toda a gente! O amigo, a amiga… Sozinho não me dava tanto prazer. Gostava de fazê-lo com companhia”, explicou. Interrogado sobre o seu primeiro carro, numa tímida gargalhada, Osvaldo relembrou que o teve em 1961. “Eu era oficial da zona de guerra e nós ganhávamos mais ou menos bem. Tinha dinheirinho. Quando passei para Luanda, havia aquele êxodo, muita gente a ir embora… Vi um DKW amarelo e bege (nunca mais me esqueço) e comprei. A pronto pagamento! Foi o meu primeiro carro. Era um carro jeitosinho, andava depressa. Depois comecei a entrar em gincanas e ralis. Gostava muito de adrenalina”, contou o agora escritor. Antes de ficar viúvo, também gostava de fazer grandes viagens. “Gostava muito de passear. Quando a minha mulher era viva, saíamos daqui e dizíamos que logo voltávamos… Sem destino, sem rumo… Adorava. Agora sozinho isso já não acontece com regularidade. É diferente!”, lamentou. Apesar de ver passar os anos, Osvaldo acredita que a sua relação com a condução não foi mudando. “Sempre guiei com muito cuidado e muita atenção. Talvez tenha melhorado com a experiência, na verdade. Não sinto quaisquer falhas. Talvez na reação… Não tenho a que tinha! Mas na visão não sinto diferença nenhuma. Uso óculos!”, defendeu. Foi nas estradas que sentiu uma maior diferença. “Nas estradas mudou muito, claro! Eram estradas de terra batida, que mudaram para asfalto. Senti, claro, uma diferença muito grande! Em África eram só buracos! Areia, barro… No tempo da chuva era muito complicado! A gente para fazer 100 quilómetros, demorávamos para aí umas três horas”, elucidou. Tal como Júlio, o escritor pretende conduzir por mais anos. “Sinto-me apto para isso! Continuo a gostar de conduzir como gostava! Eu deliro! Sempre que tenho oportunidade, pego sempre o carro! Quero continuar a ser independente”, reforçou.

Uma questão de necessidade

Camila, natural de Grândola, atualmente com 85 anos, tal como Osvaldo, começou a conduzir “menor de idade”, revelou em risos ao i. Teve de esperar a maioridade para fazer o exame de condução e, quando chegou o momento, “tinha estudado o código, aprendido a conduzir e só faltava o exame”. “Tirei a carta ainda não tinha 19 anos”, sublinhou. Quando começou a conduzir, diz que se sentia muito bem, por ser uma forma de autonomia Contudo, “como não tinha dinheiro para um carro, tirei a carta de condução e comprei uma bicicleta”, afirmou em tom de gargalhada. Camila era professora e ia para a escola de bicicleta naqueles dias em que se atrasava. “Era na aldeia do Futuro, aqui ao lado de Grândola. Era fácil! Mas quando passei para uma escola que era a seis quilómetros e depois uma a 13, já me custava muito. Tive de comprar um carrinho numa oficina, daquelas oficinas de pessoas conhecidas de família... Um Volkswagen muito antigo que hoje valeria um dinheirão!”, lembrou. “O que é que lhe fiz? O rapaz que me arranjava o carro, dizia sempre: ‘Quando pensar em vender esse carro, lembre-se de mim Dona Camila! Eu gosto tanto dele’. Tinha 20 e poucos anos. Depois casei, já não precisava dele e então o meu marido teve a ideia de oferecermos o carro ao rapaz. Ficou radiante. Depois arranjou e foi com ele para corridas, desfiles de carros antigos, etc.”.

Segundo a mesma, habituou-se rapidamente a estar ao volante e, como o seu marido era “adepto de trocar de carro com alguma regularidade”, ao longo da vida, a professora reformada conduziu inúmeros, “todos muito diferentes uns dos outros”. “Tinha de me habituar!”, frisou. Nessa altura gostava de conduzir... “Agora, não conduzo por gostar ou desgostar. Conduzo porque é necessário. As coisas são todas longe da minha casa… Quando o meu marido morreu, vendi o carrão que ele tinha (era muito grande para mim) e comprei um daqueles pequeninos, muito jeitosos, que andam por aí. As coisas de que eu preciso são longe da minha casa, suficientemente longe para eu me cansar! Se eu for no meu carro, vou confortavelmente instalada e não me canso, já que todos os meus gestos são mecânicos”, explicou, reforçando que “é raro o dia em que não conduza. “Aliás, recentemente fiquei doente (fui operada a um cancro) e continuei a conduzir para todo o lado. O carro dá-me muita independência. Para Évora, para o Hospital do Litoral Alentejano, para pegar compras…”. Relativamente ao que mudou, Camila admite que só a vontade e a obrigatoriedade de ter de conduzir sempre de óculos. “São feitos de propósito para isso. São para ver melhor ao longe”, contou.

Interrogada sobre se, quando passou o exame de condução e comprou o seu primeiro carro, sentiu discriminação por ser mulher, a professora admitiu que não: “Quando tirei a carta não havia preconceito relativamente às mulheres ao volante. Havia dificuldades económicas e comentavam mais as raparigas que andavam de bicicleta. Até porque na nossa terra, quando eu andava na escola primária, havia uma senhora muito rica, que era a única senhora em Grândola que tinha carta de condução e guiava. Toda a gente a admirava. Era muito generosa. Ajudava muita gente, porque ganhou uma grande herança”, elucidou. Mas quando comprou a bicicleta, sentiu sempre muitos olhares: “Quando saía da escola, havia quem se risse, ou dissesse alguma coisa. Precisei de pedir à minha mãe que me fizesse umas calças. As saias levantavam e ela fez-me um par de calças. Era a única na vila de bicicleta e um par de calças. Nunca mais deixei as calças”, lembrou entre risos.

Apesar dos idosos, normalmente, conduzirem com mais cuidado, segundo o Lar Online, “a probabilidade de terem um acidente é maior por cada quilómetro percorrido”. Porquê? Já que são um grupo de risco por serem “mais propensos a sofrer de doenças que podem influenciar a capacidade de conduzir”, tais como problemas cardíacos e pulmonares, diabetes, demência (incluindo Alzheimer), Parkinson ou artrite. Além disso, muitos deles tomam medicamentos que “podem ter efeitos secundários que prejudicam a condução, como sonolência, tonturas, tremores e confusão mental”. “Em média, um condutor toma 12 decisões por minuto, e a circulação em ambiente rodoviário requer a avaliação de situações complexas e tomadas de decisão que sejam executadas com rapidez e adequação”, lê-se na plataforma. De acordo com o Lar Online, enquanto os jovens que estão ao volante, têm mais acidentes “causados por condução sob o efeito do álcool, excesso de velocidade ou ultrapassagens perigosas”, grande parte dos acidentes com idosos “são as baixas velocidades e devem-se às mudanças que ocorrem nas suas capacidades funcionais, que condicionam uma mobilidade segura”.

Tanto Júlio, como Osvaldo e Camila, sentem-se aptos para conduzir e voltarão a renovar a carta de condução se os exames assim o permitirem. Fonte: Sapo.

História da Medicina: o uso da Levodopa na Doença de Parkinson

por Guilherme Pompeo

Por que seria relevante saber sobre a história do uso da Levodopa (L-dopa) na doença de Parkinson? Isso não é um tema muito específico para colocarmos na série de artigos “História da Medicina”?

Bom, como todos nós sabemos (se ainda não souber, não tem problema! Ficará sabendo aqui!), a Doença de Parkinson (DP) é uma doença degenerativa do sistema nervoso central, crônica e progressiva, capaz de acrescentar elevada morbimortalidade aos pacientes que possuem a doença. Os sinais e sintomas são bem variados, mas o básico consiste em perda do controle motor individual (ex.: lentidão motora – bradicinesia, rigidez articular, tremores de repouso. Outros sintomas não motores como diminuição do olfato, alteração intestinal, alteração no sono também podem ocorrer).

Estima-se que apenas no Brasil há cerca de 250 mil portadores de DP (um número com certeza subnotificado). Trata-se da segunda doença neurodegenerativa mais comum no nosso país, e no mundo! Portanto, é uma enfermidade com grande impacto social e econômico.

O PAPEL DA LEVODOPA NA DOENÇA DE PARKINSON:

Antes de começar a falar diretamente sobre isso, temos que entender como ocorre a DP. Explicando um pouco disso, a conclusão será automática (você vai ver!).

A Doença de Parkinson é causada basicamente pela redução intensa da produção de dopamina (por perda da quantidade e qualidade das células produtoras dessa substância), que é um neurotransmissor. Essa atua na realização dos movimentos voluntários do corpo de forma automática (por exemplo, deambular – ninguém precisa pensar muito para caminhar após aprender lá na primeira infância). Com essa “falta” de dopamina, principalmente na substância negra, próxima ao mesencéfalo, o controle motor do paciente é muito prejudicado, acarretando os sinais e sintomas da doença.

Ótimo! Então, aí está! Repondo a dopamina via oral todo o problema estaria resolvido! Não é bem assim. A própria dopamina, por via oral, não consegue ser absorvida de forma adequada para o sistema nervoso central. É aí que está a grande importância da levodopa. É uma droga precursora da dopamina, capaz de alcançar o encéfalo e ser convertida à dopamina na região. Por isso, até hoje ainda é a principal droga utilizada no tratamento da Doença de Parkinson!

OUTRAS CARACTERÍSTICAS, CURIOSIDADES E INFORMAÇÕES SOBRE A LEVODOPA:

– Pode ser uma droga utilizada em qualquer estágio da doença. É extremamente eficaz para controlar sintomas como a rigidez e bradicinesia características da doença. O tratamento, e a dose dependem também do uso concomitante com outras medicações;

– A absorção da droga é realizada no intestino, iniciando seus efeitos em 30 minutos após a ingestão, possuindo duração de 3 a 5 horas. Sua absorção pode ser comprometida quando a ingestão é realizada em conjunto com proteínas.

HÁ EFEITOS COLATERAIS NO USO DA LEVODOPA?

Como qualquer outra substância utilizada na Medicina, a L-dopa também possui efeitos adversos. Um dos mais curiosos é a “flutuação motora” (ocorre principalmente nos pacientes que fazem uso prolongado da droga). Isso consiste em momentos que a substância começa a ser mais tolerada e os sintomas retornam antes da próxima dose.

Outros efeitos adversos são movimentos involuntários, compulsões, discinesias (algumas drogas podem ser utilizadas em associação para suprimir esses efeitos), anemia, hiperglicemia, náuseas e vômitos, ideação paranoide, transtorno depressivo.

Precisava introduzir o tema e dar a importância devida a essa descoberta, que foi uma daquelas que realmente marcou a Medicina.

OLIVER SACKS E A LEVODOPA – UM USO ALTERNATIVO:

Esse neurologista fazia uso da L-dopa no tratamento de pacientes com encefalite letárgica, incapazes de se mover e falar há anos, e obtinha resultados positivos.

UMA LONGA ESTRADA:

Até se chegar a L-dopa, o tratamento da DP passou por diversas tentativas. Começou em 1874 com os solanáceos (uma família de plantas florais) de Charcot. Desde essa época, muitas drogas foram testadas sem muito sucesso.

Em 1947, houve alguma esperança com a cirurgia estereotáxica, principalmente no tratamento do tremor.

Foi somente a partir de 1957, com a descoberta da presença preferencial de dopamina no corpo estriado, substância negra e globo pálido, que houve uma grande revolução no tratamento da DP.

A HISTÓRIA:

No ano de 1961 (apenas 4 anos depois da descoberta da presença da dopamina no tecido cerebral realizada pelo cientista sueco Arvid Carlsson), os pesquisadores austríacos Oleh Hornykiewivz (confesso que foi difícil de escrever este!) e Walther Birkmayer relataram um tratamento aparentemente milagroso para a Doença de Parkinson. Eles descreveram essa possível mudança emocionante da seguinte forma: “Pacientes acamados, que não conseguiam sentar, pacientes que não conseguiam se levantar da posição sentada e pacientes que, em pé, não conseguiam começar a andar, realizavam essas atividades após a L-dopa (em forma de injeção) com facilidade… Eles podiam até correr e pular. O discurso sem voz… tornou-se forte e claro.” Imaginem só a reação dos pacientes, familiares e médicos que puderam acompanhar isso pela primeira vez.

No entanto, até como já introduzido anteriormente, a dopamina e a maioria dos seus precursores, quando administrados por via oral e/ou endovenosa, não atravessavam a barreira hematoencefálica, ocasionando alguns resultados discrepantes, com melhora sintomática transitória, maior intensidade de efeitos colaterais. Fonte: Blog jaleko.

No tocante à história da levodopa, recomenda-se o filme Awakenings / Tempo de Despertar (Oliver Sacks, trata da descoberta da L-dopa, com Robert de Niro e Robin Williams)


1 em cada 5 casos de Parkinson atinge adultos com 50 anos ou menos

07/07/22 - O Parkinson, seja de início precoce ou não, é a única doença neurodegenerativa que tem tratamento eficaz

Embora seja comumente associado a idosos, cerca de 10% a 20% dos casos da doença de Parkinson acontecem em pessoas por volta dos 50 anos de idade ou até menos. O chamado Parkinson de início precoce já é bem conhecido na literatura médica, mas o assunto ganhou destaque recentemente após a jornalista Renata Capucci, de 49 anos, contar ao público que tem a doença e que recebeu o diagnóstico aos 45 anos.

“Embora esses casos em pessoas mais jovens não sejam exatamente uma novidade para a medicina, não há dúvidas de que está ocorrendo um aumento notório de diagnósticos em pessoas na faixa etária de 40 a 50 anos. Tenho uma paciente que foi diagnosticada aos 36 anos”, afirmou Andre Felício, neurologista e pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein.

Segundo Felício, uma das possíveis explicações para mais diagnósticos de Parkinson em adultos jovens seriam questões ambientais – como a exposição crônica a poluentes, por exemplo, ou até mesmo fatores associados a substâncias presentes em alimentos. “É claro que o ambiente, sozinho, não justifica o aumento de casos. Mas é um fator importante”, diz.

Fatores genéticos

A doença de Parkinson é caracterizada pela degeneração progressiva dos neurônios produtores de dopamina – uma substância relacionada com o controle sobre os movimentos do nosso corpo. O processo causa uma destruição progressiva dessas células nervosas e se manifesta com vários sintomas, sendo os mais conhecidos a rigidez muscular e o tremor involuntário.

O problema, ressalta Felício, é que no momento em que esses sintomas “clássicos” se manifestam e a pessoa recebe o diagnóstico de Parkinson, a doença provavelmente já estava instalada pelo menos uma década antes. Isso porque os primeiros sinais são inespecíficos e podem passar despercebidos: diminuição do olfato, intestino preso, depressão e transtorno do sono.

“Muito dificilmente um jovem de 40 anos que tem transtorno do sono vai suspeitar que tem Parkinson. Quando ela faz o diagnóstico, geralmente ele já perdeu 60% dos neurônios que produzem dopamina”, exemplifica o médico.

A maioria dos casos é multifatorial e acontece de forma esporádica, mas há um percentual de diagnósticos em que o paciente pode ter mutações genéticas. Segundo Felício, existem mais de uma dezena de mutações associadas ao desenvolvimento da doença (PARK 1, PARK 2, PARK3 etc.), embora a presença da mutação não signifique que a pessoa terá a doença em algum momento da vida. A mutação mais comum em adultos jovens é a PARK 2, enquanto em idosos é a PARK 8.

O exame molecular para identificação das mutações, no entanto, não é um procedimento de rotina, pois, na prática, o desenvolvimento da doença e a condução do tratamento do paciente não muda. “Pelo menos por enquanto, o tratamento para os casos genéticos e o tratamento para o Parkinson tradicional, que é multifatorial, é exatamente o mesmo, por isso não há recomendação para a realização do exame molecular”, disse Felício, acrescentando que pede o exame para alguns dos seus pacientes para fins de estudo e pesquisas científicas.

A expectativa, diz Felício, é que no futuro o tratamento via terapia gênica seja uma alternativa de cura e uma realidade para pacientes que tenham o Parkinson de origem genética. “Quanto mais jovem o paciente, maior a chance de ele ter o Parkinson de origem genética. Há vários estudos em desenvolvimento na tentativa de descobrir possíveis medicamentos específicos para esses casos, por isso, eu imagino que os casos genéticos serão os que terão chances de cura primeiro”, afirmou.

Sintomas, diagnóstico e tratamento

Embora o senso comum associe o Parkinson apenas ao tremor, há um percentual de pacientes que sequer vão apresentar esses sintomas. Segundo Felício, o diagnóstico costuma ser clínico e complementado por exames de imagens, como ressonância magnética e ultrassonografia.

Os principais sintomas motores são lentidão + tremor de repouso; lentidão + rigidez muscular ou lentidão + desequilíbrio. A lentidão está presente em todos os casos e não envolve só a marcha: ela se caracteriza pela perda do automatismo dos movimentos. “Demora para piscar os olhos, manter a boca muito tempo aberta, caminhar com passos pequenos, dificuldade para fazer movimentos de pinça, não balalançar os braços quando caminha. Tudo isso é reflexo da lentidão”, explica o neurologista.

A base do tratamento é oferecer dopamina exógena ou estimular a própria dopamina que a pessoa está fabricando de forma deficitária pelo organismo, usando remédios que estimulem essa produção, além de outros medicamentos periféricos que ajudam a melhorar sintomas. Outro possível tratamento, dependendo do caso, é a cirurgia para estimulação cerebral profunda, que tem avançado bastante.

“O Parkinson, seja de início precoce ou não, é a única doença neurodegenerativa que tem tratamento eficaz. Uma pessoa com Parkinson pode ter uma ótima evolução clínica e viver muito bem. Com os remédios é possível o paciente melhorar, não tem dúvidas. Cada paciente tem a sua doença e não dá para generalizar”, afirmou Felício, que ressaltou a importância do exercício físico como um fator de neuroproteção. Fonte: Isto É.

P.S.: Gostaria de saber qual é o tratamento eficaz! Parece que é oferecer dopamina..., o que está longe de ser um tratamento eficaz.

Doença de Parkinson: o cobre leva à agregação de proteínas

7-JUL-2022 - As causas da doença de Parkinson ainda não são totalmente compreendidas. Muito antes do início do tremor muscular típico, o aparecimento de proteínas defeituosas no cérebro pode ser um primeiro sinal. Pesquisadores do Empa e da Universidade de Limerick, na Irlanda, agora examinaram mais de perto a forma anormal dessas alfa-sinucleínas na forma de anéis de proteínas. Ao fazer isso, eles também conseguiram visualizar em nanoescala a conexão com a poluição ambiental pelo cobre. Isso lança uma nova luz sobre o desenvolvimento da doença neurodegenerativa e o papel dos biometais no processo da doença. Além disso, as descobertas podem fornecer oportunidades para melhorar a detecção precoce e a terapia da doença.

Metal suspeito

O que se sabe sobre a doença de Parkinson é que os neurônios do cérebro morrem, resultando em uma deficiência do neurotransmissor dopamina. Nos estágios posteriores da doença, isso leva a tremores musculares, rigidez muscular e até imobilidade. A doença lentamente progressiva é a segunda doença neurodegenerativa mais comum no mundo depois da doença de Alzheimer. Fatores ambientais, como pesticidas ou metais, podem promover a ocorrência de Parkinson.

A equipe liderada pelo pesquisador do Empa, Peter Nirmalraj, do laboratório Transport at Nanoscale Interfaces, está investigando essa hipótese usando técnicas de imagem e espectroscopia química, bem como, em colaboração com a equipe de Damien Thompson da Universidade de Limerick, simulações de computador. Os pesquisadores têm como alvo uma proteína que está envolvida em vários processos moleculares no desenvolvimento do Parkinson: a alfa-sinucleína. Nos indivíduos afetados, essa proteína endógena se aglomera e causa a morte das células nervosas. Os pesquisadores suspeitam que o cobre em altas concentrações interfira nesses processos e acelere o processo da doença.

Anéis do mal

Para visualizar a aglomeração da alfa-sinucleína em escala nanométrica, a pesquisadora do Empa Silvia Campioni, do laboratório Cellulose & Wood Materials, produziu a proteína artificialmente. Usando microscopia de força atômica, os pesquisadores puderam observar a proteína, que estava inicialmente em solução, durante um período de dez dias, enquanto formava estruturas filamentosas insolúveis individuais antes de finalmente se agrupar para formar uma densa rede de fibrilas. Com base nas imagens, a transformação da proteína solúvel em fibras aglomeradas com cerca de 1 micrômetro de comprimento, como ocorrem durante a progressão da doença, pode ser observada com precisão impressionante em laboratório.

Se os pesquisadores adicionassem íons de cobre à solução de proteína, estruturas completamente diferentes apareceriam ao microscópio: estruturas de proteínas em forma de anel com cerca de 7 nanômetros de tamanho, os chamados oligômeros, apareceram no tubo de ensaio em apenas algumas horas. A existência de tais oligômeros em forma de anel e seu efeito de dano celular já são conhecidos. Além disso, as estruturas semelhantes a fibras mais longas apareceram mais cedo do que em uma solução sem cobre.

"Por um lado, altas doses de cobre parecem acelerar o processo de agregação", diz Peter Nirmalraj. Além disso, no entanto, essa estrutura proteica incomum em forma de anel se desenvolve de forma relativamente rápida sob a influência do cobre, o que possivelmente marca o início do processo patológico ou até o desencadeia. Os pesquisadores também analisaram a ligação de íons de cobre à alfa-sinucleína usando simulações de computador de dinâmica molecular em pequenos passos de 10 a 100 nanossegundos.

Teste inicial

Como os anéis de oligômero são formados no início da transformação da proteína, os anéis podem ser usados ​​como alvo para novas formas de terapia, espera Nirmalraj. Além disso, as descobertas podem ajudar a avançar no desenvolvimento de um teste de Parkinson que pode detectar a doença em um estágio inicial em fluidos corporais, por exemplo, usando amostras do fluido espinhal. Original em inglês, tradução Google, revisão Hugo, Fonte: Eurekalert.

A vacina de Parkinson do 'endocorpo' da United Neuroscience mostra-se promissora nos primeiros testes

Nov 14, 2018 - United Neuroscience’s ‘endobody’ Parkinson’s vaccine shows promise in early tests. 

Disbiose oral e intestinal leva a alterações funcionais na doença de Parkinson

2022 Jul 7 - Oral and gut dysbiosis leads to functional alterations in Parkinson's disease.

disbiose

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Transplante de fezes pode beneficiar muita gente", diz médico gaúcho sobre nova aposta de Harvard”

 Pesquisadores da tradicional universidade dos EUA sugerem a criação de bancos de microbiota fecal para tratamento de doenças

06/07/2022 - Cientistas de uma das instituições de ensino mais respeitadas do mundo, a Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, estão propondo a criação de bancos de fezes humanas. Isso mesmo: os pesquisadores acreditam que transplantes de microbiota fecal podem ajudar a tratar uma série de doenças e até retardar o envelhecimento.
A notícia é recebida com entusiasmo pelo médico gaúcho Pedro Schestatsky (leia a entrevista abaixo), PhD em Neurologia em Harvard e autor do livro Medicina do Amanhã - que, não por acaso, dedica um capítulo inteiro ao intestino. Integrante do quadro clínico do Hospital Moinhos de Vento, na Capital, Schestatsky, que foi professor da UFRGS por 10 anos, vem estudando esse tipo de tratamento para males como Alzheimeresclerose múltipla e Parkinson
Em 2018, quando o Hospital Ernesto Dorneles, em Porto Alegre, sediou o primeiro transplante fecal da América Latina para síndrome do intestino irritável, o neurologista foi o receptor (à época, GZH inclusive publicou uma reportagem sobre o tema). Parece inusitado, mas pesquisas indicam que pessoas acometidas por uma série de enfermidades (de asma a doenças autoimunes) podem se beneficiar dessa terapia, que ainda é alvo de preconceito e de comentários muitas vezes jocosos. 
No Rio Grande do Sul, já temos bastante gente estudando o tema. A maioria são pesquisadores da área da microbiologia. Entre os médicos, ainda há um certo desdém, por isso a chancela de Harvard, onde estudei em 2012, é importantíssima. A ciência finalmente está se curvando ao papel do intestino – celebra Schestatsky.
Órgão de ouro
Cerca de 90% dos neurotransmissores cerebrais, como a dopamina, a serotonina e a noradrenalina (que compõem a maioria dos antidepressivos), são produzidos no intestino -  chamado de “segundo cérebro”. É por isso, segundo Schestatsky, que alguns pesquisadores apostam no transplante de fezes até mesmo para tratar casos de depressão e ansiedade.
Melhor do mundo
A tribo Hadza, que vive no norte da Tanzânia, na África, tem a fama de possuir o “melhor cocô do mundo”. De acordo com Schestatsky, o grupo é fonte de estudos pela diversidade e eficiência do microbioma intestinal. Isso é resultado de hábitos alimentares milenares, baseados no consumo de caça (animais selvagens) e na coleta de frutos silvestres e tubérculos.
"O transplante de fezes pode beneficiar muita gente", projeta Schestatsky
Como o senhor avalia essa aposta de Harvard no cocô?
Fico muito feliz ao ver que a ciência finalmente está reconhecendo o intestino como um dos órgãos mais importantes do nosso corpo. É o nosso órgão maestro, o órgão de ouro. Não se trata apenas da conexão entre o intestino e o cérebro. Ele está conectado a tudo, por isso é tão importante cuidarmos dele. Quando analisamos os cocôs de idosos centenários, por exemplo, percebemos que são mais diversificados, ao contrário de quem só se alimenta com produtos industrializados, o que abre portas para o maior inimigo do ser humano: inflamação no corpo inteiro. O assunto é palpitante, mas ainda temos muito a aprender sobre ele.
O senhor inclusive já recebeu um transplante de fezes e até foi tema de reportagem em ZH, há quatro anos. Como foi?
Foi uma experiência muito importante, uma prova de conceito, de mostrar que o procedimento é seguro e que pode, de fato, trazer bons resultados além de gastrointestinais. No RS, já temos bastante gente estudando o tema. A maioria são pesquisadores da área da microbiologia. Entre os médicos, ainda há um certo desdém.
A aposta de Harvard pode mudar isso?
Sem dúvida. A chancela de Harvard é importantíssima. É uma universidade que conta com algumas das maiores mentes do mundo, então não é pouca coisa. O transplante de fezes pode beneficiar muita gente com patologias intestinais e extra-intestinais, como asma, diabetes, doenças autoimunes etc. Fonte: GZH.


O cocô pode salvar vidas: saiba o que é o transplante de fezes

06/07/2018 - Fique à vontade para rir ao ler as próximas linhas, mas não deixe que seu humor escatológico comprometa a seriedade com que se deve tratar do tema. Estamos falando do transplante de microbiota fecal. Sim, é isso mesmo: transplante de fezes.
Por mais estranho que possa parecer, trata-se de um procedimento que pode representar a solução para diversas doenças.
Sábado passado (30), Porto Alegre sediou o primeiro transplante fecal da América Latina para o tratamento do diabetes. O procedimento foi realizado no Hospital Ernesto Dorneles (HED), sob o comando do médico gastroenterologista Guilherme Becker Sander, chefe do Serviço de Endoscopia do HED, em um paciente que tem especial apreço pelo assunto: o também médico Pedro Schestatsky, diabético e professor de neurologia da Faculdade de Medicina da UFRGS que se dedica ao estudo desse tipo de tratamento para atacar males neurológicos, como Alzheimer, esclerose múltipla, autismo e Parkinson.

O transplante é relativamente simples (veja o vídeo acima , na fonte). O doador precisa ter uma boa microbiota, nome pomposo para o que se conhecia popularmente como flora intestinal. Trata-se de um conjunto de microrganismos – algo em torno de 100 trilhões de bactérias – que faz nosso intestino funcionar sem sobressaltos. São as bactérias do bem que nos habitam. No caso de Schestatsky, ele escolheu um doador vegano, que passou por baterias de exames de sangue e fezes para atestar a qualidade do material que doaria. Mas o veganismo não é pré-requisito. Observa-se uma gama de fatores no doador, como a presença de bactérias perigosas, como salmonela, e os hábitos gerais de vida. O receptor também passa por uma preparação, semelhante à exigida a quem vai se submeter a um exame de colonoscopia. São dois dias tomando laxativos para “zerar” a microbiota. É como esvaziar o intestino de bactérias ruins para substituí-las pelas boas.
Mas o que o intestino tem a ver com diabetes? Pesquisas em diferentes áreas têm demonstrado o papel do órgão nas infecções e nas inflamações sistêmicas e em outros quadros de saúde desequilibrados e a gigantesca conexão dele com o cérebro, o que já fez com que fosse chamado de segundo cérebro”. Acredite: 90% dos neurotransmissores cerebrais, como a serotonina, a noradrenalina e a dopamina – os mesmos que estão contidos nos antidepressivos –, são produzidos no intestino, abrindo a possibilidade para o uso dessa técnica para casos de depressão e ansiedade.
40 mil mortes evitadas por ano
Uma boa flora intestinal está associada a um sistema imunológico mais forte, e a transferência de microbiota já tem se mostrado eficiente em certos casos. No tratamento da colite pseudomembranosa, um quadro de diarreia grave provocado pela superbactéria Clostridium difficile, resistente a antibióticos, o transplante de fezes se mostrou 100% eficiente, evitando cerca de 40 mil mortes por ano no mundo, 14 mil no país. O problema é uma das principais causas de doenças em pacientes internados na rede hospitalar. Pesquisadores da Universidade do Arizona também observaram, em um ensaio aberto, que os sintomas do autismo sofreram significativa melhora após a transferência de microbiota nos pacientes. 
Apesar de um histórico indicativo de um futuro promissor a favor da saúde, o transplante de fezes ainda sofre estigmas, um dos alvos de Schestatsky quando encarou o desafio para tratar seu diabetes. 
As pessoas ainda pensam que é comer cocô. A partir dessa experiência, quero provar a segurança do procedimento e demonstrar a dinâmica disso para que possa ser oferecido a pacientes de casos extremos – diz o neurologista.
As possibilidades de tratamento via transplante de fezes ampliam-se dia a dia. Tanto é que já existem bancos de fezes. No Brasil, o Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) abriu o primeiro espaço desse tipo para armazenar o material doado, que fica a uma temperatura de 80°C negativos e precisa ser utilizado em até seis meses. O problema é que para se tornar um doador é preciso aprovação em todos os testes que asseguram a qualidade das fezes e muitos candidatos não conseguem passar nessa seleção.
Schestatsky acredita que o procedimento realizado no Ernesto Dornelles ajudará a coroar o intestino como causa de inflamações e doenças crônicas. No caso dele, os resultados positivos já aparecem na busca por reduzir a medicação contra o diabetes.
Meu perfil glicêmico melhorou significativamente nas primeiras horas. Ficamos todos muito empolgados. Paralelamente, meu sono nos dois últimos dias está quase normal, provavelmente pela ação do transplante sobre o eixo intestino-cérebro – avalia.
O neurologista é um entusiasta do procedimento. Em outros experimentos, a técnica se mostrou eficaz contra a obesidade e em tratamento de autistas, que apresentaram melhora significativa na socialização e no contato visual, duas carências de quem têm o espectro.
O transplante é para casos em que mudanças de hábito e outras opções de tratamento já foram testadas e descartadas.
O tom ainda é muito jocoso (para falar do transplante), mas é, sem dúvida, uma terapia séria que tem marcado efeito. Muita coisa ainda será descoberta – aposta Sander. 
O melhor cocô do mundo
Entre a maioria dos mortais de vida moderna existe uma grande dificuldade para se manter hábitos saudáveis, mas uma tribo distante da África gaba-se de ser fonte de estudos e pesquisas por conta da diversidade e eficiência do microbioma. O povo hadza é um dos poucos no mundo que mantêm há cerca de 10 mil anos hábitos alimentares baseados no consumo de caça e na coleta de frutos silvestres e tubérculos. 
A flora intestinal de seus integrantes é invejável e suscita uma espécie de turismo escatológico e científico sobre o povo. Digamos que eles são os detentores de um dos melhores, senão o melhor, cocô do mundo. A microbiota dessa tribo milenar da Tanzânia é rica em bactérias do bem e está associada a uma melhor imunidade. Fonte: GZH.

Transplante de fezes ainda tem indicação bastante limitada

"Transplante de fezes ainda tem indicação bastante limitada", diz médico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Chefe do Serviço de Gastroenterologia do HCPA, Mário Reis Álvares-da-Silva afirma que procedimento ainda precisa passar por mais estudos e que não é "panaceia".

07/07/2022 - O tema do transplante de fezes - objeto de estudo de pesquisadores de Harvard, como destaquei em GZH na última quarta-feira (6) - segue repercutindo. À frente do Serviço de Gastroenterologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), o professor Mário Reis Álvares-da-Silva traz mais elementos para o debate.Em e-mail enviado à coluna, o médico hepatologista, coordenador substituto do Programa de Pós-Graduação em Gastroenterologia e Hepatologia da UFRGS, diz que a microbiota intestinal, de fato, é um tema promissor e capaz de revolucionar o tratamento de doenças, mas faz ressalvas importantes. "O transplante de fezes pode beneficiar muita gente", diz médico gaúcho sobre nova aposta de Harvard. Segundo o especialista, o procedimento ainda tem indicação “bastante limitada na prática clínica”. Embora já venha sendo realizado no HCPA, isso ocorre em situações específicas. Ou seja: o transplante não deve ser visto como panaceia - até porque ainda há um longo caminho científico pela frente. A microbiota fecal tem sido alvo, inclusive, de estudos na UFRGS, motivando teses de doutorado e dissertações de mestrado. No caso da Universidade de Harvard, uma das instituições de ensino mais respeitadas do mundo, com sede nos Estados Unidos, cientistas estão propondo a criação de bancos de fezes humanas, pois acreditam que transplantes de microbiota fecal podem ajudar a tratar uma série de doenças e até retardar o envelhecimento.

Leia a íntegra do e-mail enviado pelo dr. Mário Reis Álvares-da-Silva à coluna: Prezada Juliana BublitzLi, com interesse, a nota de sua coluna publicada hoje em ZH, a respeito de microbiota intestinal. Sou médico hepatologista, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e ex-coordenador e atual coordenador substituto do Programa de Pós-Graduação em Gastroenterologia e Hepatologia da UFRGS. A reportagem, com informações do Dr. Pedro Schestatsky, querido colega e ex-professor de Neurologia da nossa Universidade, merece, a meu ver, um contraponto. Explico por quê:a) a microbiota intestinal é uma área de pesquisa bastante promissora que deve revolucionar o entendimento e a terapêutica de várias enfermidades, mas o transplante de fezes ainda tem indicação bastante limitada na prática clínica e não deve ser divulgado como uma panaceia;b) não há preconceito algum em relação à microbiota intestinal no meio acadêmico especializado, sendo esse um tema recorrente em congressos médicos. Em nosso serviço no HCPA, o transplante de fezes é realizado, há alguns anos, em situações específicas;c) o estudo da microbiota representa importante área de pesquisa no PPG Gastroenterologia e Hepatologia da UFRGS, com resultados muito significativos, tanto em modelos experimentais, como em humanos, tendo sido motivo de teses de doutorado e dissertações de mestrado de vários alunos. Assim, não posso concordar com a informação geral de que "há desdém entre os médicos" em relação ao tema. Listo alguns estudos do meu grupo de pesquisa publicados em revistas internacionais na área (10.1016/j.cgh.2021.03.045; 10.4254/wjh.v13.i12.2052; 10.2147/CEG.S262879; 10.1080/07315724.2019.1627955) e o recente consenso brasileiro em microbiota intestinal, do qual fiz parte (10.1590/S0004-2803.202000000-72);d) é importante relatar que há riscos ainda não bem estudados em relação ao transplante de fezes. Os inúmeros estudos em andamento em todo o mundo provavelmente trarão em breve informações valiosas a esse respeito.Confesso que também sou um entusiasta da microbiota, como o Dr. Pedro, mas no momento o entusiasmo deve ser modulado, para que evitemos levar à população a promessa de um tratamento que carece de evidências mais conclusivas.Atenciosamente, Prof. Dr. Mário Reis Álvares-da-SilvaChefe Serviço de GastroenterologiaHospital de Clínicas de Porto Alegre. Fonte: GZH.