20 de setembro de 2021 - As controvérsias são sempre muito esperadas nos congressos de neurologia, pois esses eventos discutem pontos crucias da especialidade, em relação aos quais muitas vezes ainda não há consensos definidos. Na sessão sobre doença de Parkinson, realizada no XXIX Congresso Brasileiro de Neurologia, foram debatidos temas polêmicos, importantes e atuais da prática clínica, que serão resumidos aqui.
Na primeira sessão, a Dra. Arlete Hilbig, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, discutiu a etiologia da doença de Parkinson: seria uma doença priônica? Príons são proteínas patológicas, que podem infectar células saudáveis, espalhando uma determinada doença. Seria este o mecanismo fisiopatológico das doenças neurodegenerativas, como a doença de Parkinson?
Na doença de Parkinson, a proteína patológica identificada é a alfa-sinucleína, que está atipicamente depositada nos neurônios. Os agregados proteicos de alfa-sinucleína estão em diversas partes do encéfalo, e iniciariam uma propagação caudal-rostral no tronco cerebral, até atingir o mesencéfalo e causar os sintomas motores (tremor, rigidez e bradicinesia).
A pergunta chave é: essa propagação seria célula-célula como a propagação priônica? Após cientistas notarem que células saudáveis transplantadas para o mesencéfalo de modelos animais parkinsonianos eram com o tempo “povoadas” pela alfa-sinucleína, surgiram evidências mostrando que realmente há uma certa transmissão celular da patologia. Não se sabe ainda como a propagação ocorre de fato, se há uma certa indução ou secreção da alfa-sinucleína na sinapse, sendo transmitida para a próxima célula.
Uma das perguntas ainda sem resposta é sobre a origem da alfa-sinucleína anormal. Viria através do nervo vago, e, portanto, do intestino? Ou do bulbo olfatório, já que hiposmia é um sintoma inicial em muitos pacientes? Há muitas perguntas sem resposta, e a teoria priônica não é aceita por muitos neurologistas, já que em humanos não se provou essa transmissão célula-célula interindivídos. Ademais, a propagação da doença nem sempre é contínua entre as regiões, observado em estudos anatomopatológicos. Novas evidências são necessárias.
Em seguida, como palestrante eu discuti um assunto que vem sendo muito debatido nas revistas de distúrbios do movimento: devemos indicar precocemente a cirurgia de estimulação cerebral profunda na doença de Parkinson? O tema é controverso, pois atualmente a cirurgia é indicada na fase moderada da doença e para casos bem selecionados. Evidências em animais e mais recentemente em ensaios clínicos sugerem que a estimulação cerebral pode ser neuroprotetora nesses casos; ou seja, reduziria a evolução da doença, sendo, portanto, necessário realizá-la na fase inicial da doença, quando ainda há neurônios a serem “salvos” do processo de neurodegeneração. Ainda faltam evidências para esta prática e, atualmente, a indicação permanece sendo na fase moderada para pacientes devidamente selecionados. Um ensaio clínico de fase 3 sobre estimulação cerebral profunda precoce na doença de Parkinson está em andamento. Aguardaremos ansiosos os resultados em breve.
O Dr. Nasser Allam, da Universidade de Brasília, debateu os efeitos da estimulação cerebral não invasiva na doença de Parkinson. A estimulação não invasiva utiliza bobinas, que são colocadas externamente no crânio do paciente a ser tratado; pequenas ondas eletromagnéticas atingem o cérebro, modulando vias neuronais anormais e restabelecendo o bom funcionamento cerebral. Por ser facilmente aplicado e ter um perfil de tolerância muito bom, o método vem sendo bastante estudado na neuropsiquiatria.
A estimulação cerebral não invasiva vem sendo estudada para melhorar sintomas cognitivos, psiquiátricos (p. ex., depressão) e motores (p. ex., alteração da marcha e lentidão) associados à doença de Parkinson. Há diversas controvérsias sobre o protocolo ideal a ser utilizado, a região cerebral a ser estimulada, o perfil do candidato que irá se beneficiar, o número de sessões e os reais efeitos em longo prazo. Esta terapia ainda é off-label , e muitos estudos estão em andamento, incluindo ensaios clínicos brasileiros. O Dr. Nasser inclusive citou um estudo sobre estimulação medular não invasiva para tratar sintomas de marcha em Parkinson que está sendo desenvolvido na USP.
O Dr. Roberto César Pereira do Prado, do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, debateu uma polêmica antiga, porém muito atual: o tremor essencial é um fator de risco de doença de Parkinson? Ou seja, pacientes com tremor essencial, com o passar do tempo, teriam mais chance de desenvolver Parkinson, em especial na idade mais avançada?
Esse assunto é importante, pois o tremor essencial é a principal causa de tremor no mundo, e acomete cerca de 1% das pessoas. Evidências epidemiológicas sugerem que sim, há maior incidência de Parkinson em quem tem tremor essencial; contudo, novos estudos mostraram que talvez isso não seja verdade. O assunto ainda é debatido.
Finalmente, o Dr. João Carlos Papaterra Limongi, também da Universidade de São Paulo, entrou em um assunto que não é consenso em diversos centros de Parkinson ao redor do mundo: como iniciar o tratamento da doença de Parkinson? E mais, há espaço para a politerapia no início da doença? Evidências mostram que os medicamentos são fundamentais para a qualidade de vida de pessoas com doença de Parkinson, embora as medicações não sejam neuroprotetoras, portanto, o tratamento inicial deve visar o controle dos sintomas que impactam funcionalmente o paciente. Nesse contexto, a politerapia pode ser benéfica, pois permite utilizar doses menores e, portanto, com melhor perfil de tolerância. A polêmica é justamente pois a polieterapia poderia levar a maior incidência de complicações em longo prazo, como discinesias e flutuações motoras. O tratamento deve então ser individualizado e levar em conta o perfil motor e não motor dos sintomas, idade, atividade de trabalho e dominância do paciente. Fonte: Medscape.