22 de novembro de
2021 - SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A importação de produtos à
base de Cannabis medicinal que já vinha numa escalada desde 2015
explodiu durante a pandemia de Covid-19, segundo dados inéditos da
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O número de
autorizações de importação desses produtos passou de 8.522 em
2019, pulou para 19.120 em 2020 e chegou a 33.793 até o último dia
11 de novembro.
O crescimento do
mercado vem acompanhado também do aumento da demanda pelos idosos.
Em quatro anos, quase quadruplicou a participação das pessoas acima
de 65 anos nos pedidos de importação do CBD (Canabidiol, substância
terapêutica derivada da Cannabis, sem efeito psicoativo)
Em 2015, o público
respondia por 6,8% do total das autorizações da Anvisa. Em 2019,
essa fatia saltou para 23,6%.
Crianças até dez
anos, que antes representam 50% dessas autorizações, agora
respondem por 21%. O restante está distribuído nas demais faixas
etárias.
Os dados são
BRCANN, associação das indústrias de canabinoides com base em
dados da Anvisa, obtidos via Lei de Acesso à Informação.
Desde dezembro de
2019, sete produtos já foram aprovados pela Anvisa para a
comercialização em farmácias e drogarias sob prescrição médica,
mas a estimativa do setor é que grande parte dos pacientes ainda
busque os produtos importados.
Segundo Tarso
Araújo, que dirige a BRCANN, mais médicos estão buscando
capacitação para a prescrição da Cannabis. Os cursos são
oferecidos, majoritariamente, pelas indústrias de canabinoides.
“Ainda há muito
preconceito, desinformação e até intimidação social em torno da
prescrição de Cannabis. Mas as decisões da Anvisa acabaram
legitimando a demanda de Cannabis como um produto de saúde e dando
mais segurança jurídica para um médico prescrever.”
Isso ocorre a
despeito de uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) de
2014 que só permite que neurologistas e psiquiatras façam a
prescrição de Cannabis medicinal a crianças com epilepsias
refratárias ao tratamento convencional.
Segundo o relatório
do setor, essas especialidades respondem por apenas um terço das
prescrições. O restante se divide entre clínicos gerais,
geriatras, ortopedistas, além de uma parcela que omitiu nos pedidos
de autorização a especialidade.
Procurado pela Folha
de S.Paulo, o CFM não respondeu aos questionamentos sobre o fato de
os médicos estarem prescrevendo Cannabis fora da chancela do
conselho e se há planos de expandir as indicações dos produtos
para outras doenças.
Segundo médicos
prescritores, durante a pandemia houve aumento dos casos de
ansiedade, depressão e dor crônica, e a procura pela Cannabis
medicinal para esses fins cresceu muito entre o público adulto.
O psiquiatra Mauro
Aranha, ex-presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do
Estado de São Paulo), diz que a experiência clínica com o
canabidiol tem se mostrado positiva para alguns quadros de ansiedade
e sintomas depressivos, para quais os tratamentos convencionais não
funcionam a contento.
“Não há
trabalhos científicos mais apurados [duplo cego e randomizados] que
atestem esse benefício, mas como é uma droga que não tem riscos
significativos, por que não tentar? Temos autorização [de
importação] da Anvisa para isso”, diz. A formulação autorizada
para esse fim é de canabidiol com até 0,2% de THC
(Tetrahidrocanabidiol, substância com efeito psicoativo) .
O clínico-geral
José Roberto Lazzarini afirma que o canabidiol, por ter ação
neuroprotetora e anti-inflamatória, tem funcionado muito bem na
tríade dor crônica, ansiedade e problemas de sono, além de casos
de doenças Alzheimer e Parkinson. Não há fortes evidências para
essas indicações.
“Os idosos sofrem
desses sintomas. No Alzheimer e Parkinson, a Cannabis não altera a
evolução da doença, mas melhora muito a qualidade de vida e o
bem-estar. Eles começam a dormir melhor, diminui a agitação,
ansiedade.”
A jornalista Adília
Belotti, 67, foi uma das que aderiram ao uso do canabidiol para
aliviar a dor que sentia devido à artrose que tem nos dois joelhos.
“Mesmo assim, sempre tive uma vida ativa, sempre gostei muito de
caminhar. Mas nos primeiros meses da pandemia parei tudo, não saía
de casa. No quarto, deu uma pane nos joelhos, não conseguia mais
caminhar. Entrei num looping infinito de dor, corticoide e medo”,
diz ela.
Medo porque, devido
a um problema anterior no fêmur, uma necrose asséptica, foi
orientada a não usar corticoide. Em outubro passado, ela começou a
usar o canabidiol por sugestão do clínico-geral.
Segundo Tarso
Araújo, o estado da evidência da Cannabis varia muito de acordo com
a indicação e com o tempo. “As pesquisas estão a todo o vapor.
Todos os anos estão saindo pesquisas fase 3 [mais robustas], estudos
de revisão. Existem diferentes graus de evidência científica, os
médicos podem trabalhar com qualquer grau.”
Araújo diz que
acontece muito de o médico prescrever a Cannabis para doenças que
ainda não têm um forte grau de evidência, mas que a experiência
clínica se mostra favorável.
A geriatra Maisa
Kairalla, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), afirma que
tem sido grande a pressão dos pacientes e das empresas de Cannabis
para a prescrição. “Para o uso em idosos, nos faltam evidência.
As pessoas estão usando off label, muitas vezes associam a Cannabis
à medicação alopática para demência, por exemplo.”
Segundo ela, essa
associação pode trazer riscos de queda aos idosos, por exemplo.
“Dependendo da concentração, pode ser um psicotrópico. Eu não
sou contra, desde que tenha evidências.”
CRESCE
JUDICIALIZAÇÃO EM SP
Ao mesmo tempo que o
mercado de Cannabis medicinal cresce, a judicialização no SUS por
esses produtos também está em alta. Em estados como Paraná e o Rio
Grande do Sul, eles já aparecem entre os mais demandados.
Em São Paulo,
levantamento da Secretaria de Estado da Saúde mostra que até meados
de novembro foram 154 ações judiciais determinando que o governo
paulista ofereça esses produtos. Em 2019, foram 122 demandas e, no
ano passado todo, 158. Por ano, a média de gastos públicos foi de
R$ 4 milhões.
A maioria dessas
ações pede tratamentos para epilepsia, autismo infantil,
transtornos globais do desenvolvimento, paralisia cerebral, doença
de Parkinson, Alzheimer, esclerose múltipla, depressão grave,
artrites reumatoides, enxaqueca, entre outras.
Segundo a
secretaria, além de não existir comprovação de segurança e
eficácia ou especificações em bula para uso para muitos desses
produtos, os gastos impactam o orçamento da saúde pública,
privilegiando direitos individuais em detrimento das políticas
públicas estabelecidas no SUS.
“Obrigam o Estado
a fornecer produtos sem registro na Anvisa, delimitação de dose de
segurança, evidência de eficácia, indicação terapêutica ou
controle clínico do uso.”
Em 2019, o STF
(Supremo Tribunal Federal) decidiu que ações referentes a produtos
sem registro na Anvisa deveriam ser judicializadas exclusivamente
contra a União. Mas, desde então, 355 ações foram distribuídas
ao Estado de São Paulo, gerando gastos de R$ 456,9 mil em três
anos.
Segundo a juíza Ana
Carolina Morozowski, da 3ª Vara Federal de Curitiba (PR), a
judicialização da Cannabis deve aumentar ainda mais devido a
recentes decisões judiciais que entenderam que, caso haja
autorização da Anvisa para a importação do canabidiol, tanto o
SUS quanto as operadoras de saúde têm que custeá-lo.
Morozowski reforça
que as evidências para o uso da Cannabis são muito fracas para a
maioria das indicações clínicas. “Talvez um dia ainda se
comprove que ela tem benefícios para muitas patologias, que é
maravilhosa mesmo, mas, para hoje, a única evidência científica
forte é para epilepsia refratária. Eu sou zero conservadora, mas
existe um viés ideológico por trás disso. Defender a Cannabis para
muitas coisas que não tem evidência, é como defender a
cloroquina.” Fonte: Mixvale.
A juíza citada profere uma pérola ao se autodeclarar zero
conservadora. Declara existir viés ideológico por traz da
defesa da cannabis, que equipara à cloroquina. Já foi mais do
que comprovada a cloroquina como ineficaz. Ao contrário, os estudos sobre a
cannabis, provam sua eficácia. E atesto: maconha é ineficaz para
zero conservadores. Só espere não precisar de maconha um dia... e esperar por conservadores se tornarem progressistas é muito difícil, pois é ideológica conservadora, infelizmente, a postura de dita juíza.