Aos 35 anos, com Parkinson e eletrodos
16 novembro de 2008 - O dentista Francisco Gaspar conta como lida com a doença -descoberta há 5 anos- e o implante, que controla os sintomas.
Há dez anos, o dentista Francisco Gaspar, 35, entrou em contato pela primeira vez com o mal de
Parkinson: uma tia desenvolvia a doença. Ainda assim, quando, cinco anos depois, ele começou a sentir rigidez muscular do lado esquerdo do corpo, não imaginou que também fosse alvo do problema. Afinal, tinha apenas 30 anos.
A degeneração foi tão rápida que, em abril deste ano, Francisco quase não conseguia sair da cama. Tomava remédio a cada duas horas, para controlar os tremores e conseguir se alimentar e ir ao banheiro. Foi nesse estágio que ele decidiu superar o medo e fazer uma cirurgia de estimulação cerebral profunda. Instalaram um eletrodo em seu cérebro, conectado a uma bateria no coração. Em seu depoimento, Gaspar conta como é a luta contra a doença nesta nova fase.
"No início, parecia um acidente vascular cerebral: eu sentia uma rigidez no braço e na perna esquerdos. Não doía nada. Só ficava duro. Comecei a andar arrastando a perna, como alguém que teve AVC.
Fiz exames e não deu nada. Um neurologista me deu o diagnóstico de cervicobraquialgia -pinçamento de um nervo na coluna, na região cervical, mas minha fisioterapeuta começou a desconfiar que eu tinha
Parkinson. Ela dizia que era, o neurologista, que não, e eu ia piorando. Passei um ano com o diagnóstico errado.
Decidi procurar outro médico, que me disse na hora que era
Parkinson. Comecei a tomar medicamentos e melhorei. No ano passado, me recomendou a cirurgia de estimulação cerebral profunda. Eu me arrependo de não ter feito a operação naquela época, porque, como eu estava no início da doença, o prognóstico era bem melhor. Mas tive medo. Isso de mexer com o cérebro assusta as pessoas. E tenho mais medo ainda por ser da área da saúde.
De janeiro para cá, eu piorei cada vez mais. Trabalhei até abril. Controlava os movimentos com a medicação. Tomava o remédio de duas em duas horas: tomava, fazia efeito, trabalhava, aí parava, tomava de novo, esperava fazer efeito. Fui até o meu limite, até não agüentar mais. Larguei o consultório. Larguei tudo.
E havia os efeitos colaterais do remédio, principalmente os movimentos involuntários. Sabe boneco de posto? Eu parecia um desses -andando torto, tremendo. Parecia um drogado. O rim vai para o beleléu -eu tinha de tomar muita água. E tive uma úlcera gástrica -fui parar na UTI, vomitando sangue por causa da medicação. Ou você morre da doença ou dos efeitos colaterais dos remédios.
Depois de abril, eu não conseguia mais andar. Tomava o remédio a cada duas horas, para poder ir ao banheiro, comer alguma coisa e voltar para a cama. Eu me sentia em uma prisão domiciliar. E dormir era uma tortura psicológica. Não tinha uma posição na qual eu pudesse ficar, de costas, de bruços, de lado, tudo incomodava. E a doença faz você trocar a noite pelo dia.
Fiz a cirurgia em agosto. Primeiramente, é feita uma tomografia específica para esses casos. Depois, eles fazem um furinho pequeno na cabeça e inserem o eletrodo no cérebro. Isso dura cerca de uma hora, e o paciente precisa ficar acordado, para o médico fazer testes e ver se atingiu a região correta. Eu parei de tremer na hora. Aí me apagaram, para colocar no peito um gerador, como um marca-passo, conectado ao eletrodo por uma fiação que passa pelo pescoço. Fiz numa sexta e, no domingo, fui para casa.
Dez dias depois, ligaram o eletrodo. Na hora, senti algo parecido com um choque, uma dormência do lado esquerdo do corpo. O resultado é na hora. É um milagre da tecnologia.
O que mais me deu satisfação foi o fim do tremor das mãos. O tremor é a pior coisa que tem. O resto a gente vai levando aos poucos. Eu não conseguia mais comer com garfo e faca. Agora, consigo. Voltei a andar, a dirigir, estou dormindo bem. Você volta a ter uma qualidade de vida melhor.
A recuperação dura cerca de seis meses, vou ao médico para ajustes. De umas semanas para cá, voltei a tremer demais e, com aparelho, o médico aumentou o raio de ação do eletrodo. Mas estou bem melhor. Faço hidroterapia e estou com a medicação controlada. O objetivo é diminuir o uso do remédio o máximo que puder.
Ainda não posso ficar sozinho. Voltei a morar com meus pais. Semana passada, eu tremia como vara verde. Nessas horas, minha mãe precisa me dar banho, me vestir, me levar ao médico. Quando a medicação faz um efeito legal, eu vou ao mercado, ao banco, dou uma caminhada pelo condomínio.
Também leio muito. Tento manter a mente ocupada, pensamentos positivos e fé em Deus. Além disso, fui a uma psicóloga, que me ajudou a lidar com isso tudo. No início, eu estava muito revoltado, deprimido. Tinha 30 anos e
Parkinson. Depois de passar pela fase crítica da doença, com a cirurgia, comecei a querer conversar com outros doentes e a ver que não estou sozinho. Tem gente mais jovem do que eu, pior que eu. Conheci um cara com 20 anos, outro com 22.
Depois que eu aceitei a doença, resolvi ver o lado "bom': em fila de supermercado, de banco, eu não entro mais. Tiro proveito dessas "vantagens".
O meu prognóstico é favorável, de uma vida normal. Normal mesmo eu acredito que não vai ser nunca. Mas espero voltar a trabalhar como dentista. Agora existe a esperança das células-tronco. Meu médico disse que os estudos estão bem adiantados. Quando aparecer um tratamento, eu quero ser um dos primeiros a fazer." Fonte:
Folha de São Paulo.
O conteúdo é exclusivo para assinantes. Por isso está na íntegra.