5 de dezembro de 2024 -
Há menos de uma década, o uso de dispositivos vestíveis
(wearables) por pacientes com doença de Parkinson era considerado
futurista. Hoje, há várias ferramentas inovadoras, desde
rastreadores de atividade comerciais até luvas de supressão de
tremor e bengalas guiadas a laser para ajudar a controlar os sinais e
sintomas altamente variáveis e flutuantes da doença.
“Nos últimos cinco
anos, o cenário da tecnologia vestível para monitoramento do
Parkinson se transformou notavelmente”, disse ao Medscape o médico
Dr. Roongroj Bhidayasiri, copresidente do Grupo de Estudos de
Tecnologia da International Parkinson and Movement Disorder Society
(MDS).
Avanços na tecnologia
de sensores, análise de dados e aprendizado de máquina aumentaram
significativamente a precisão e a usabilidade de dispositivos
vestíveis, observou. Esses dispositivos agora oferecem monitoramento
contínuo e em tempo real de sinais e sintomas motores e não
motores, possibilitando a elaboração de planos de tratamento
personalizados e um monitoramento mais preciso da progressão da
doença.
Além disso, a
integração de análises de inteligência artificial facilita uma
avaliação de dados mais abrangente, enquanto a integração com
aplicativos móveis melhora o envolvimento do paciente e o
compartilhamento de dados com os profissionais da saúde, disse o Dr.
Roongroj, que também é diretor do Chulalongkorn Center of
Excellence for Parkinson’s Disease & Related Disorders e
professor de neurologia da Chulalongkorn University, na Tailândia.
“Esses avanços
tecnológicos consolidaram os dispositivos vestíveis como
ferramentas inestimáveis no controle eficiente e responsivo da
doença de Parkinson de acordo com os modelos de tratamento
neurológico”, acrescentou.
O médico Dr. Andrea
Pilotto, copresidente do Grupo de Estudos de Tecnologia da MDS e
professor associado de neurologia da Università degli Studi di
Brescia, na Itália, destacou que avanços recentes melhoraram a
capacidade de detectar déficits motores sutis que aparecem anos
antes do diagnóstico clínico de doença de Parkinson e adicionam
detalhes às avaliações no consultório e aos diários domiciliares
dos pacientes.
“Com certeza, os
resultados relatados pelos pacientes são importantes, mas sabemos
que uma grande porcentagem deles, especialmente aqueles com
oscilações motoras, não está claramente ciente de seus sinais e
sintomas ou os avalia mal”, disse ele em uma entrevista.
O foco dos sensores
vestíveis também está mudando dos sintomas motores característicos
para o monitoramento de características não motoras da doença de
Parkinson, que podem variar ao longo do dia e influenciar as
aferições motoras e as escolhas terapêuticas.
“Estamos agora
percebendo o potencial dos dispositivos vestíveis para começar a
tratar ansiedade, sono, depressão e outros sinais e sintomas não
motores”, disse ao Medscape o médico Dr. Michael S. Okun,
consultor clínico da Parkinson's Foundation e diretor do Norman
Fixel Institute for Neurological Diseases da University of Florida
Health, nos Estados Unidos.
“Isso pode mudar o
jogo, pois os sinais e sintomas não motores em muitos estudos são
mais importantes do que os motores no impacto da qualidade de vida”,
acrescentou.
Monitoramento de sinais
e sintomas
Os smartwatches com
acelerômetros e giroscópios integrados deslancharam durante a
pandemia de covid-19, pois os usuários buscavam feedback em tempo
real sobre mobilidade, sono e frequência cardíaca. O estudo pivotal
WATCH-PD e a aprovação do aplicativo StrivePD para Apple Watch pela
Food and Drug Administration (FDA) dos EUA em 2022 ajudaram a
estimular o uso de dispositivos vestíveis para monitorar os sinais e
sintomas da doença de Parkinson.
O StrivePD (Rune Labs,
Inc.; EUA) coleta passivamente dados diários sobre tremor e
discinesia usando a Movement Disorder Application Programming
Interface da Apple e permite que os pacientes registrem itens como
sintomas, medicamentos, efeitos colaterais, humor e sono. Os
pacientes podem visualizar relatórios resumidos no aplicativo ou por
e-mail, e um painel clínico fornece resumos de sintomas, uso de
medicamentos e dados por eles relatados.
“O Apple Watch é
bastante acessível, o que é uma vantagem, e o StrivePD é
provavelmente o aplicativo com o qual meus pacientes estão mais
familiarizados e estão acessando, usando e obtendo relatórios”,
disse ao Medscape a médica Dra. Joohi Jimenez-Shahed, diretora
clínica de Neuromodulação de Distúrbios do Movimento e
Terapêutica de Circuitos Cerebrais e professora associada de
neurologia da Icahn School of Medicine at Mount Sinai, nos EUA.
A American Parkinson
Disease Association tem seu próprio rastreador de sinais e sintomas,
aplicativo gratuito compatível com iPhone, disponível em inglês e
espanhol, que registra sinais e sintomas motores e não motores, tem
um rastreador de medicamentos interativo e cria relatórios para
compartilhar com a equipe que cuida do paciente.
O grupo de trabalho de
sensores vestíveis da rede de pesquisa francesa NS-Park, em parceria
com a Parkinson's Foundation, publicou recentemente uma “antologia
prática” resumindo as características dos sensores vestíveis
mais usados para o tratamento da doença de Parkinson na Europa — a
maioria também disponível nos Estados Unidos.
Essa publicação
fornece um mergulho profundo no PDMonitor, Personal KinetiGraph
(PKG), STAT-ON, Kinesia 360/One, FeetMe e Mobility Lab, que não está
disponível na Europa. Notavelmente, os dispositivos Kinesia
360/KinesiaU, PDMonitor, PKG e STAT-ON são “recomendados
condicionalmente como opções” nas diretrizes de diagnóstico de
2023 do National Institute for Health and Care Excellence sobre
dispositivos vestíveis para monitoramento remoto da doença de
Parkinson.
Supressão de tremor
O tremor está presente
em cerca de 80% dos pacientes com doença de Parkinson e pode afetar
as atividades da vida diária e a saúde mental. Lançado em junho de
2023, o sistema Cala kIQ (Cala Health, Inc.; EUA) é o primeiro
dispositivo aprovado pela FDA para alívio temporário de tremor
postural e cinético nas mãos na doença de Parkinson, bem como do
tremor essencial.
O dispositivo usado no
punho deve ser prescrito por um médico e fornece estimulação
aferente transcutânea padronizada, o que melhorou os sintomas em 92%
dos pacientes com tremor essencial quando usado duas vezes ao dia
durante três meses em um estudo prospectivo citado pela empresa.
O custo inicial do
sistema Cala é de US$ 7.150, que é coberto para beneficiários do
Medicare e veteranos com tremor essencial, mas não por planos de
saúde comerciais.
“Os pacientes têm
dificuldade de acesso, não por falta de tentativa, certamente da
minha parte”, disse a Dra. Joohi, que também é copresidente do
Parkinson Study Group. “A cobertura é difícil e, francamente, os
custos diretos são simplesmente inviáveis para muitas pessoas, ou
elas não estão dispostas a gastar essa quantia de dinheiro em algo
que não têm certeza de quanto vai funcionar.”
Várias luvas de
supressão de tremor, ou luvas para doença de Parkinson, estão
amplamente disponíveis e prometem estabilizar os movimentos das mãos
por meio de estimulação periférica. Além disso, dispositivos como
o Emma Watch da Microsoft, que está apenas em fase de pesquisa, usam
terapia vibratória para neutralizar os efeitos do tremor.
Melhorando a marcha
Para melhorar a marcha,
sistemas vestíveis com unidades de medição inercial ajudam a
analisar e fornecer feedback sobre os padrões de caminhada,
facilitando uma melhor mobilidade por meio de intervenções
direcionadas, disse o Dr. Roongroj, que, assim como os outros
especialistas entrevistados para este artigo, recusou-se a comentar
sobre dispositivos específicos.
Sapatos para Parkinson
com dispositivos de indicação podem fornecer indicação visual
para congelamento da marcha, disse ele. Alternativamente, esses
sapatos podem ser equipados com dispositivos que fornecem estimulação
vibratória e proprioceptiva, que comprovadamente melhoram o
congelamento da marcha.
“Os sapatos para
Parkinson com dispositivos de sinalização incorporados representam
tecnologias emergentes e podem ainda não estar amplamente
disponíveis em todos os ambientes clínicos”, observou o Dr.
Roongroj.
A publicação francesa
detalha as palmilhas FeetMe Monitor (FeetMe; França), que usam
sensores de pressão e algoritmos incorporados para calcular
parâmetros de marcha espaço-temporais e coletá-los por meio de um
aplicativo móvel dedicado. Os dados clínicos são limitados, mas os
resultados do único estudo de validação em pacientes com doença
de Parkinson mostram correlações muito altas e boa concordância
entre as palmilhas FeetMe e as avaliações em uma passarela
eletrônica sensível à pressão.
A publicação também
avalia o Mobility Lab (Clario, EUA), um sistema portátil
desenvolvido pela APDM que mede a marcha, o equilíbrio postural e o
balanço do braço usando de um a seis sensores vestíveis sem fio. É
descrito como uma das melhores ferramentas validadas em termos de
número de estudos para análise de marcha e postura em hospitais,
mas é usado principalmente para avaliação hospitalar.
“Muitas coisas foram
tentadas, mas ainda não vi nenhuma chegar ao domínio do mercado ou
ser tão claramente eficaz a ponto de recomendá-la aos pacientes”,
disse ao Medscape a Dra. Miriam Rafferty, Ph.D., diretora de Ciência
da Implementação e cientista pesquisadora do Shirley Ryan
AbilityLab e professora assistente da Northwestern University, ambos
nos EUA.
“No Shirley Ryan
AbilityLab, realizamos esforços para ter um tipo de clínica de
teste de tecnologias na qual tenhamos versões de muitos dos
dispositivos para que os pacientes possam experimentá-los”,
acrescentou. “É assustador pensar que um par de sapatos vai custar
US$ 1.500 e pode ou não funcionar para mim.”
Alterações na voz
afetam cerca de 70% a 90% dos pacientes com doença de Parkinson,
dificultando que sejam ouvidos ou compreendidos, principalmente à
medida que a doença progride.
SpeechVive é um
dispositivo colocado atrás da orelha que emite um ruído de
“balbucio” no ouvido durante a fala, aproveitando o efeito
Lombard ou a resposta automática do cérebro para falar mais alto à
medida que os sons do ambiente aumentam.
Ele aumenta o volume da
conversa em aproximadamente 50% e fornece benefícios semelhantes aos
da fonoterapia LSVT LOUD em um estudo prospectivo de 18 pacientes com
doença de Parkinson. É coberto pelo Medicare, de acordo com a
empresa SpeechVive.
A Dra. Joohi disse que
encaminha muitos pacientes para a fonoaudiologia e não prescreve
muito o SpeechVive. “Quando ele foi lançado, alguns pacientes
testaram e alguns dos comentários que recebi é que há esse ruído
de fundo audível, dificultando um pouco para alguns pacientes.
Demora um pouco para se acostumar.”
O caminho à frente
Embora os dispositivos
vestíveis tenham muitos pontos fortes, os especialistas apontam que
existem várias limitações, entre elas a adesão do paciente, que
pode afetar a confiabilidade dos dados; preocupações com a
privacidade; a incapacidade dos dispositivos de capturar todo o
espectro de sinais e sintomas da doença de Parkinson, especialmente
os sinais e sintomas não motores; e a falta de diretrizes nacionais
ou internacionais sobre a melhor forma de usar os dispositivos e seu
escopo de uso.
O Grupo de Estudos de
Tecnologia da MDS está pesquisando os mais de 11.000 membros da
sociedade para ver como os dispositivos vestíveis estão sendo
usados, quais pacientes com doença de Parkinson devem ser
monitorados, a cobertura do seguro ou do sistema de saúde para
dispositivos e as limitações pragmáticas do ponto de vista do
paciente/cuidador e do médico/instituição, disse o Dr. Andrea.
“Colocamos alguns
cenários clínicos na pesquisa para ver como os médicos estão
reagindo e se eles estão preparados ou se usariam tecnologia e que
tipo de tecnologia em diferentes cenários”, disse ele.
O Dr. Andrea observou
que dois outros projetos da MDS estão em andamento: um documento de
consenso caracterizando o uso de tecnologia vestível em ensaios
clínicos e uma revisão de dispositivos digitais na prática clínica
com base em evidências publicadas de ensaios clínicos longitudinais
e prospectivos.
Outros desafios para os
dispositivos vestíveis são a falta de avaliações de desfechos
padronizadas e validadas para avaliação longitudinal, a falta de
comparações diretas entre os dispositivos, a relação
custo-benefício e, principalmente, o efeito nas modificações do
tratamento e no controle da doença de Parkinson.
“Um dos maiores
desafios para os dispositivos vestíveis tem sido avaliar se valem a
pena. As informações fornecidas mostram mudanças suficientes para
motivar as pessoas a usá-los”, disse o Dr. Michael, da Parkinson's
Foundation.
A Dra. Miriam disse ao
Medscape que o gerenciamento de dados é um dos maiores desafios,
dado o número crescente de dispositivos usados e comercializados
para pacientes. O Shirley Ryan AbilityLab contratou uma plataforma de
software que pode obter dados de qualquer dispositivo disponível
comercialmente, para que os pacientes possam compartilhá-los com
seus fisioterapeutas para ajudar a definir as metas terapêuticas.
“Nós chamamos isso de estratégia de trazer seu próprio
dispositivo.”
A Dra. Miriam disse
ainda: “Ouvi de pacientes que, quando compartilham sua tecnologia
com seus neurologistas, os neurologistas dizem: ‘Isso é legal’,
mas os neurologistas nem sempre estão conduzindo essa conversa”.
Os médicos estão
muito ocupados com sua prática clínica diária, então, a menos que
o dispositivo seja muito intuitivo e fácil de usar e sua instituição
já tenha um contrato com o fornecedor, o médico ficará limitado
nas conversas que pode iniciar com um paciente, explicou.
Parte do trabalho de
sua equipe é ajudar pesquisadores do Shirley Ryan AbilityLab a
desenvolver painéis que os médicos desejam, com as métricas de que
precisam, coletando seus feedbacks no início do processo de
desenvolvimento.
“A última coisa que
você quer é que um médico muito ocupado abra um painel e não
consiga encontrar as informações que deseja saber de forma rápida
e fácil”, disse ela.
O Dr. Roongroj
Bhidayasiri relatou ter recebido financiamento da Thailand Science,
Research and Innovation, da Chulalongkorn University e da Royal
Society of Thailand. Ele informou ter recebido honorários de
consultoria e de palestras da Britannia, Ipsen, Teva-Lundbeck e
Mitsubishi Tanabe; patentes para uma bengala guiada a laser,
dispositivo portátil para tremores, tecnologia para monitoramento
noturno, diário eletrônico de sintomas, uma palmilha e sapato para
doença de Parkinson e canecas antiasfixia; e direitos autorais de
vários trabalhos relacionados à doença.
O Dr. Andrea Pilotto
relatou ter recebido financiamento da Fundação Airalzh, da Italian
Society of Parkinson and Movement Disorders Foundation, do Ministério
Italiano de Universidades e Pesquisa e do Ministério Italiano da
Saúde.
O Dr. Michel Okun
informou não ter conflitos de interesses relevantes.
A Dra. Miriam Rafferty
informou ter recebido financiamento dos National Institutes of Health
dos EUA, da Agency for Healthcare Research and Quality e do National
Institute on Disability, Independent Living, and Rehabilitation
Research dos EUA.
A Dra. Joohi
Jimenez-Shahed relatou receber honorários de consultoria e uma bolsa
educacional da Medtronic; atuar no conselho de monitoramento de
segurança de dados da BlueRock Therapeutics e da Emalex Biosciences;
atuar no conselho consultivo clínico e científico da PhotoPharmics;
e receber honorários de consultoria da Bracket/Syneos, Teva, AbbVie,
Alpha Omega, REGENXBIO, Praxis, Kyowa Kirin, TreeFrog e Amneal
Pharmaceuticals. Ela também é copresidente do Parkinson Study
Group. Fonte: MedScape.