O estudo foi publicado on-line em 2 de outubro no periódico Molecular Psychiatry.
18 Out, 2023 - O DNA mitocondrial danificado (mtDNA) inicia e causa a progressão da patologia da doença de Parkinson, abrindo possíveis novos caminhos para o diagnóstico precoce, monitoramento da doença e desenvolvimento de medicamentos. Embora falhas nas funções mitocondriais e no DNA mitocondrial tenham sido associadas à doença de Parkinson no passado, o estudo em pauta demonstra “pela primeira vez como o DNA mitocondrial danificado pode estar subjacente aos mecanismos de iniciação e progressão da doença no cérebro”, disse ao Medscape a pesquisadora principal Dra. Shohreh Issazadeh-Navikas, Ph.D., da University of Copenhagen, na Dinamarca. “Isto tem implicações diretas para o diagnóstico clínico” — se for possível detectar o mtDNA danificado no sangue, ele poderá servir como um biomarcador precoce da doença, explicou ela. O estudo foi publicado on-line no periódico Molecular Psychiatry.
Propagação da patologia da doença de Parkinson ‘semelhante a uma infecção’
Em trabalhos anteriores, os pesquisadores identificaram a sinalização desregulada do interferon-beta (IFNβ) como uma “possível via principal” associada à doença de Parkinson esporádica e sua progressão para a forma com demência. Em análises da doença de Parkinson realizadas em camundongos com deficiência na sinalização de IFNβ, os pesquisadores mostraram que o IFNβ neuronal é necessário para manter a homeostase e o metabolismo mitocondrial. A falta de IFNβ neuronal ou a interrupção de sua sinalização subsequente causa o acúmulo de mitocôndrias danificadas com estresse oxidativo excessivo e produção insuficiente de trifosfato de adenosina.
Neste estudo, usando amostras de tecido cerebral post-mortem de pacientes com doença de Parkinson esporádica, eles confirmaram que havia deleções de mtDNA no giro frontal medial. Essa região está associada a déficits cognitivos na doença de Parkinson, sugerindo um papel potencial do mtDNA danificado na fisiopatologia do quadro. Os pesquisadores também identificaram deleções de mtDNA em um “ponto crítico” nas subunidades da cadeia respiratória do complexo I, que foram relacionadas à desregulação do estresse oxidativo e às vias de resposta a danos no DNA em coortes com doença de Parkinson esporádica e na forma associada à demência. Além disso, os pesquisadores confirmaram a contribuição do dano ao mtDNA para a patologia da doença de Parkinson nos modelos murinos com a doença. Eles mostraram que a falta de sinalização neuronal do IFNβ leva a danos oxidativos e mutações no mtDNA nos neurônios, que são subsequentemente liberados fora dos neurônios.
A injeção de mtDNA danificado no cérebro de camundongos induziu sintomas comportamentais semelhantes aos da doença de Parkinson com demência, incluindo deficiências neuropsiquiátricas, motoras e cognitivas. Também causou neurodegeneração em regiões cerebrais distantes do local da injeção, sugerindo que o mtDNA danificado desencadeia a disseminação de características da forma com demência de maneira “semelhante a uma infecção”, relatam os pesquisadores. Estudos adicionais revelaram que o mecanismo através do qual o mtDNA danificado causa patologia em neurônios saudáveis envolve a ativação dupla das vias 9 e 4 do receptor Toll-like (TLR), levando ao aumento do estresse oxidativo e à morte celular neuronal, respectivamente. “Nossa análise proteômica de vesículas extracelulares contendo mtDNA danificado identificou o ativador de TLR4, a proteína ribossômica S3, como um componente-chave envolvido no reconhecimento e extrusão de mtDNA danificado”, escrevem os pesquisadores.
Para o futuro, eles planejam avaliar como o dano ao mtDNA pode servir como um marcador preditivo para diferentes estágios e progressão da doença, bem como explorar possíveis estratégias de tratamento destinadas a restaurar a função mitocondrial normal para corrigir as disfunções mitocondriais implicadas na doença de Parkinson.
Um retorno triunfal?
Comentando a pesquisa para o Medscape, o Dr. James Beck, Ph.D., diretor científico da Parkinson's Foundation, observou que o papel das mitocôndrias na doença de Parkinson é “como uma estrela que surgiu em cena na década de 80, desapareceu na obscuridade e, através de diligência e pesquisa contínua, ressurgiu como uma influência significativa a ser reconhecida”. “Este artigo apenas aumenta o fascínio sobre a possível contribuição das mitocôndrias para a doença de Parkinson, fornecendo evidências de um novo processo pelo qual as mitocôndrias podem não apenas contribuir para a doença e para a perda de neurônios dopaminérgicos, mas também desempenhar um papel maior nos efeitos subsequentes que muitas pessoas com Parkinson apresentam, como a demência”, explicou o Dr. James.
Ele observou que os autores identificaram várias proteínas como facilitadoras da neurodegeneração provocada pelo DNA mitocondrial danificado. “Essas [proteínas] podem ser alvos para o desenvolvimento futuro de medicamentos. Além disso, este trabalho implica alterações na sinalização imunológica; e medicamentos que estão sendo criados para atingir respostas inflamatórias também podem trazer benefícios auxiliares", disse o Dr. James. No entanto, ele disse que “embora sejam achados muito interessantes, este é realmente o primeiro esforço que demonstra como o DNA mitocondrial danificado pode contribuir para a neurodegeneração no contexto da doença de Parkinson e da forma associada a demência. Mais trabalhos precisam validar esses resultados e elucidar os mecanismos subjacentes à propagação do DNA mitocondrial de célula para célula”.
O financiamento para essa pesquisa foi fornecido pelo European Union's Horizon 2020 Research and Innovation Program, Lundbeck Foundation e pelo Danish Council for Independent Research–Medicine. A Dra. Shohreh e o Dr. James informaram não ter conflitos de interesses.
Mol Psychiatry, Publicado on-line em 02 de outubro de 2023. Texto completo. Fonte: Interacaodiagnostica.
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