H. pylori é mais comumente conhecido como o culpado por infecções estomacais. Corona Borealis Studio/ Shutterstock
17 de junho de 2025 - A
cada três segundos, alguém no mundo desenvolve demência. A doença
de Alzheimer é a forma mais comum de demência, representando entre
60% e 70% de todos os casos.
Embora os cientistas
tenham feito progressos significativos na compreensão da doença,
ainda não há cura. Isso se deve, em parte, ao fato de a doença de
Alzheimer ter múltiplas causas – muitas das quais ainda não são
totalmente compreendidas.
Duas proteínas que se
acredita desempenharem papéis centrais na doença de Alzheimer são
a beta-amiloide e a tau. A beta-amiloide forma placas pegajosas na
parte externa das células cerebrais. Isso interrompe a comunicação
entre os neurônios. A tau se acumula dentro das células cerebrais,
onde se enrola em emaranhados. Isso, em última análise, leva à
morte celular. Essas placas e emaranhados são as características
marcantes da doença de Alzheimer.
Essa compreensão,
conhecida como hipótese amiloide, moldou a pesquisa por décadas e
levou a tratamentos que visam eliminar o amiloide do cérebro.
Medicamentos com anticorpos monoclonais foram aprovados nos últimos
anos para essa finalidade.
Mas eles funcionam
apenas nos estágios iniciais da doença. Não revertem os danos
existentes e podem causar efeitos colaterais graves, como inchaço
cerebral e sangramento. Mais importante ainda, eles têm como alvo
apenas a beta-amiloide, deixando a tau sem tratamento.
Mas, em uma reviravolta
surpreendente, uma pesquisa recente publicada por meus colegas e por
mim descobriu que uma proteína da Helicobacter pylori – uma
bactéria mais conhecida por causar úlceras estomacais – pode
bloquear o acúmulo tóxico tanto da beta-amiloide quanto da tau.
Essa descoberta inesperada pode apontar para uma nova estratégia no
combate à doença de Alzheimer.
Nossa descoberta
começou com uma pergunta muito diferente. Estávamos inicialmente
estudando como a H. pylori interage com outros micróbios. Algumas
bactérias formam comunidades protetoras chamadas biofilmes, que
dependem de conjuntos amiloides (semelhantes em estrutura às placas
que se formam no cérebro) como um arcabouço estrutural. Isso nos
levou a questionar: a H. pylori poderia influenciar os biofilmes
bacterianos interferindo também nos conjuntos amiloides em humanos?
Voltamos nossa atenção
para uma proteína bem conhecida da H. pylori, chamada CagA. Embora
metade da proteína seja conhecida por desencadear efeitos nocivos em
células humanas (chamada de região C-terminal), a outra metade (a
região N-terminal da proteína) pode ter propriedades protetoras.
Para nossa surpresa, esse fragmento N-terminal, chamado CagAN,
reduziu drasticamente a formação de amiloides e biofilmes
bacterianos nas espécies bacterianas Escherichia coli e Pseudomonas.
Incentivados por esses
resultados, testamos se o mesmo fragmento proteico poderia bloquear o
acúmulo de proteínas beta-amiloides humanas. Para isso, incubamos
moléculas de beta-amiloide em laboratório: algumas foram tratadas
com CagAN, enquanto outras permaneceram normais. Em seguida,
rastreamos a formação de amiloide usando um leitor de fluorescência
e um microscópio eletrônico.
Desenho digital de uma
placa amiloide formada entre os neurônios cerebrais.
A proteína derivada de
H. pylori bloqueou a formação de placas de beta-amiloide. Signal
Scientific Visuals/ Shutterstock
Descobrimos que as
amostras tratadas apresentaram muito menos formação de aglomerados
de amiloide durante o período de teste. Mesmo em concentrações
muito baixas, o CagAN impediu quase completamente que o beta-amiloide
formasse agregados de amiloide.
Para entender como o
CagAN funcionava, utilizamos ressonância magnética nuclear (que nos
permite observar como as moléculas interagem entre si) para examinar
como a proteína interage com o beta-amiloide. Também utilizamos
modelagem computacional para investigar possíveis mecanismos.
Notavelmente, o CagAN também bloqueou a agregação de tau –
sugerindo que ele atua em múltiplas proteínas tóxicas envolvidas
na doença de Alzheimer.
Bloqueando a doença
Nosso estudo nos
mostrou que um fragmento da proteína Helicobacter pylori pode
bloquear efetivamente o acúmulo das duas proteínas implicadas na
doença de Alzheimer. Isso sugere que proteínas bacterianas – ou
medicamentos baseados nelas – poderão, um dia, bloquear os
primeiros sinais da doença de Alzheimer.
Além disso, os
benefícios podem se estender além da doença de Alzheimer.
Em experimentos
adicionais, o mesmo fragmento bacteriano bloqueou a agregação de
IAPP (uma proteína envolvida no diabetes tipo 2) e alfa-sinucleína
(ligada à doença de Parkinson). Todas essas condições são
causadas pelo acúmulo de agregados amiloides tóxicos.
O fato de um único
fragmento bacteriano poder interferir em tantas proteínas sugere um
potencial terapêutico promissor. Embora essas condições afetem
diferentes partes do corpo, elas podem estar ligadas por meio da
comunicação cruzada entre proteínas amiloides – um mecanismo
compartilhado que o CagAN poderia ajudar a interromper.
É claro que é
importante deixar claro: esta pesquisa ainda está em estágio
inicial. Todos os nossos experimentos foram conduzidos em
laboratório, ainda não em animais ou humanos. Ainda assim, as
descobertas abrem um novo caminho.
Nosso estudo também
revelou os mecanismos subjacentes de como o CagAN bloqueou a formação
de agregados amiloides pela beta-amiloide e pela tau. Uma das
maneiras pelas quais o CagAN fez isso foi impedindo que as proteínas
se unissem para formar aglomerados. Eles também impediram a formação
de pequenos agregados amiloides prematuros. No futuro, continuaremos
o estudo detalhado do mecanismo e avaliaremos os efeitos em modelos
animais.
Esses resultados também
levantam uma questão: será que o H. pylori, por muito tempo visto
apenas como prejudicial, também pode ter um lado protetor? Alguns
estudos sugeriram uma conexão entre a infecção por H. pylori e a
doença de Alzheimer, embora a relação ainda não esteja clara.
Nossa descoberta adiciona uma nova camada a essa discussão,
sugerindo que parte do H. pylori pode, na verdade, interferir nos
eventos moleculares que levam à doença de Alzheimer.
Isso significa que, no
futuro, talvez precisemos adotar uma abordagem mais precisa e
personalizada. Em vez de tentar eliminar completamente o H. pylori
com antibióticos, talvez seja mais importante entender, em
diferentes contextos biológicos, quais partes da bactéria são
prejudiciais e quais podem ser benéficas.
À medida que a
medicina avança em direção a uma maior precisão, o objetivo pode
não ser mais eliminar todos os micróbios, mas entender como alguns
deles podem agir a nosso favor e não contra nós. Fonte: Theconversation.