Investigador Noam
Shemesh, vencedor do Prémio Mantero Belard
Em entrevista à
VISÃO, o investigador Noam Shemesh, vencedor do Prémio Mantero
Belard, explica em que consiste a sua nova abordagem para detetar
mais precocemente a doença de Parkinson e permitir, assim, testar
“uma terapia de edição de genes” para tentar travar a doença
nas fases iniciais
05.01.2021 -Noam
Shemesh lidera a equipa galardoada com o Prémio Mantero Belard,
atribuído pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. É um dos
vencedores deste ano dos Prémios Santa Casa Neurociências e a sua
investigação traz aos doentes de Parkinson uma nova esperança de,
no futuro, virem a ter novos tratamentos e uma melhor qualidade de
vida. À VISÃO, o investigador explicou como pretende desenvolver
uma metodologia de deteção precoce da doença e compreender melhor
os mecanismos que levam à deterioração da função cerebral nesses
doentes. Por isso, a equipa quer compreender as relações básicas
entre genes específicos e a Doença de Parkinson.
Esta “inovadora”
abordagem também pode “permitir testar adicionalmente uma nova
terapia de edição de genes para ver se a doença pode ser travada
nas suas fases iniciais”. Além de ter impacto significativo na
investigação feita noutras doenças neurodegenerativas.
Noam Shemesh
acredita que esta abordagem se traduz num avanço científico, uma
vez que “as doenças neurodegenerativas são descobertas demasiado
tarde e as opções de tratamento são muito limitadas”. A agravar,
lamenta, “não existem tratamentos capazes de impedir o
aparecimento, travar a progressão ou alterar o decurso da doença”,
gerando “grande sofrimento nos doentes e nos seus familiares”.
Por isso, a equipa de Noam Shemesh vai tentar trazer uma nova luz com
a investigação que está a desenvolver na Fundação D. Anna de
Sommer Champalimaud e Dr. Carlos Montez Champalimaud.
Qual é o objetivo
do projeto que coordena e que foi distinguido com o Prémio Mantero
Belard 2020?
Queremos colmatar
uma lacuna ao nível da percepção de como as mudanças moleculares
na doença de Parkinson afetam a atividade neural do cérebro e
conduzem aos seus terríveis resultados funcionais. Ou seja, queremos
compreender como é que as mudanças moleculares em células
específicas criam desequilíbrios na atividade cerebral. E depois
perceber como esses mesmos desequilíbrios se coordenam para se
traduzirem numa patologia severa chamada doença de Parkinson.
Em que consiste o
seu projeto “Da expressão genética à função das redes
neuronais: estabelecendo a ponte na doença de Parkinson”?
Consiste em utilizar
o auge da tecnologia – a ressonância magnética – juntamente com
ferramentas genéticas, como a edição genética e a estimulação
optogenética, para investigar as alterações que ocorrem no cérebro
no decurso da doença de Parkinson. Vamos, assim, fazer uma
caracterização microarquitetónica do cérebro, durante o curso
temporal da doença, e uma caracterização específica da função
dopaminérgica em todo o cérebro. Estamos, por isso, otimistas que
esta abordagem terapêutica permitirá detetar estados muito precoces
da doença. Isto permitir-nos-á adicionalmente testar uma nova e
excelente terapia de edição de genes para depois ver se a doença
pode ser travada nas suas fases iniciais.
Em que é que esta
abordagem terapêutica se diferencia da que já existe?
A nossa abordagem é
diferente, porque visa a ativação cerebral mesoscópica e a
microarquitetura de tecidos como base da doença. E depois vamos-nos
direcionar para aspetos específicos da atividade cerebral que se
tornam anómalos. A utilização da ressonância magnética facilita
muito esta abordagem.
Quais são as etapas
deste projeto?
São três e
bastante complexas. A primeira etapa consiste em recorrer aos
scanners de ressonância magnética que temos, na Fundação
Champalimaud, para estudar a microarquitetura e o funcionamento do
cérebro no decurso da doença. O que, mais tarde, pode vir a
permitir uma deteção precoce da doença. Numa segunda fase, vamos
aproveitar as manipulações optogenéticas para desencadear
atividade em estruturas dopaminérgicas específicas no cérebro e
caraterizar como é que o sistema dopaminérgico se torna anómalo ao
longo do tempo. Por último, vamos utilizar as novas técnicas de
edição de genes para testar um potencial tratamento precoce para a
doença.
Esta investigação
terá aplicação clínica, no futuro?
Embora este projeto
seja de natureza científica básica, acreditamos que a sua fruição
poderia dar início a uma nova era para a aplicação clínica de
algumas das nossas metodologias. Uma vez comprovada a eficácia das
nossas ideias sobre como caraterizar a doença prematuramente, estas
podem ser potencialmente traduzidas para a clínica e/ou gerar
melhores metodologias de imagem para a deteção da doença de
Parkinson. Os elementos de tratamento do projeto, se comprovadamente
bem sucedidos, podem eventualmente levar a novos progressos com
grande importância clínica no futuro.
Esperamos que, ao
desenvolver uma metodologia de deteção precoce da doença de
Parkinson e ao compreendermos melhor os mecanismos que levam à
deterioração da função cerebral nesses doentes, possamos abrir
uma porta para novos tratamentos
NOAM SHEMESH,
COORDENADOR DO PROJETO GALARDOADO COM O PRÉMIO MANTERO BELARD 2020
Pretende, assim,
desenvolver um tratamento inovador e trazer uma nova esperança para
estes doentes?
Um dos maiores
problemas das doenças neurodegenerativas é que são descobertas
demasiado tarde e depois as opções de tratamento são muito
limitadas. Não existem tratamentos capazes de impedir o
aparecimento, travar a progressão ou alterar o decurso da doença.
Assim, precisamos de muita investigação para compreender os
mecanismos que levam ao seu aparecimento.Daí a importância do nosso
projeto que visa a compreensão das relações básicas entre genes
específicos e a Doença de Parkinson. A nossa investigação também
pode trazer esperança para uma eventual aplicação como tratamento.
Por isso, esperamos que, ao desenvolver uma metodologia de deteção
precoce da doença de Parkinson e ao compreendermos melhor os
mecanismos que levam à deterioração da função cerebral nesses
doentes, possamos abrir a porta para novos tratamentos. Ou seja, para
que surjam novos tratamentos que possam melhorar a vida destes
doentes se forem aplicados numa fase precoce da doença.
Quando é que os
doentes poderão beneficiar desta terapia?
Em hebraico, temos
um ditado: “A profecia foi dada aos tolos”. É impossível prever
quando é que estas terapias podem ser benéficas, mas temos a
certeza de que o nosso projeto será um avanço no conhecimento e que
ele próprio fará avançar a humanidade na procura de tratamentos.
Podemos afirmar que o nosso projeto, pelo seu caráter inovador, irá
trazer novas ideias que, no futuro, poderão ser adaptadas para
intervenções terapêuticas nos doentes. Também acreditamos que a
abordagem aqui apresentada é bastante geral e poderá abranger
outras doenças neurodegenerativas.
Porque é que a sua
equipa decidiu estudar a doença de Parkinson?
Porque é uma doença
devastadora, generalizada e socialmente importante, que gera grande
sofrimento nos doentes e nos seus familiares, além de acarretar, a
nível mundial, um significativo esforço socioeconómico. Há alguns
aspetos particulares que tornam a doença mais recetiva ao nosso tipo
de investigação e é uma grande honra poder investigá-la com o
generoso apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa através do
Prémio Mantero Belard.
PRÉMIOS SANTA CASA
NA ÁREA DAS NEUROCIÊNCIAS
Prémio Mantero
Belard
Criado em 2013
Distingue a
investigação científica ou clínica no âmbito das doenças
neurodegenerativas, associadas ao envelhecimento, como Parkinson e
Alzheimer, que possibilite o surgimento de novas estratégias no
tratamento e restabelecimento das funções neurológicas.
Valor: 200 mil euros
Prémio Melo e
Castro
Criado em 2013
Promove a descoberta
de soluções para a reabilitação de lesões vertebromedulares de
natureza traumática e não traumática (adquiridas ou congénitas).
Valor: 200 mil euros
Prémio João Lobo
Antunes
Criado em 2017
Foi concebido como
homenagem ao médico, neurocirurgião e cientista. Destina-se a
licenciados em Medicina, em regime de internato médico, e visa
estimular a cultura científica e a investigação clínica na área
das Neurociências, sem esquecer o princípio de João Lobo Antunes
relativo à humanização do ato médico, “os seus pacientes e as
suas histórias”.
Valor: 40 mil euros
Fonte: Visão.