060125 - E para
entender isso temos de começar com Lila Ibrahim. Quem?
O primeiro amor de Lila
Ibrahim não são os computadores. Para surpresa da primeira diretora
de operações do Google DeepMind, nem sequer é a inteligência
artificial - nem a programação.
O primeiro amor de Lila
Ibrahim é a engenharia e é essa formação que a torna tão valiosa
num trabalho que tem tudo que ver com computação.
“Tornei-me engenheira
eletrotécnica porque pensei que era uma combinação de matemática,
arte e ciência. E, ao longo do caminho, acabei por gostar muito de
trabalhar com pessoas. E o que mais gostei na minha carreira de
engenheira foi a capacidade de juntar tudo isso e ter uma visão
única em tudo o que faço”, conta Lila Ibrahim a Anna Stewart, da
CNN, durante uma entrevista recente na sede do Google DeepMind, em
Londres.
“Ser engenheira
ensinou-me a perguntar o quê, porquê e o que estamos a tentar
alcançar. Assim, se conseguirmos compreender realmente um problema,
podemos descobrir qual é a solução certa, em vez de nos limitarmos
a atirar uma série de soluções para um problema indefinido.”
Como profissional que
resolve problemas, parte do seu trabalho “é preocupar-se”, diz
Ibrahim. “Quais são os riscos e como é que os mitigamos? E também
pensar nas oportunidades - e como as apoiamos? ... Sinto que tive
quase uma vocação moral para desempenhar este papel e, de repente,
o meu passado muito estranho e tortuoso faz sentido no sítio onde me
encontro agora.”
Uma coisa que aprendeu,
sublinha Lila Ibrahim, é que não é muito boa a prever o futuro:
“Mas sou muito boa a construí-lo”.
Pensar de fora para
dentro
Filha de imigrantes e
tendo o inglês como segunda língua, Lila Ibrahim conta que se
sentiu muitas vezes “como uma estranha” durante a infância e a
vida adulta, primeiro no Midwest americano, depois como estudante de
intercâmbio no Japão e na universidade de Purdue, em Indiana, EUA,
onde estudou engenharia elétrica.
“Não havia muitas
mulheres”, recorda Ibrahim. “De facto, na altura podiam contar-se
pelos dedos de uma mão.”
Nessa altura, com vinte
e poucos anos, “estava já muito habituada” a ter de se sentir à
vontade “para trazer uma perspetiva diferente para tudo”.
Embora essa mentalidade
de “outsider” tenha inicialmente parecido um obstáculo, Lila
Ibrahim diz que a maior lição que aprendeu foi aceitá-la como um
superpoder - e gostaria de o ter feito mais cedo.
Construiu a sua
carreira, primeiro no fabricante de chips para computadores Intel,
depois numa empresa de capital de risco. Lila Ibrahim tornou-se a
primeira presidente e diretora de operações da plataforma de
aprendizagem em linha Coursera.
Em 2018 surgiu-lhe uma
oportunidade fascinante: o DeepMind, um laboratório de investigação
de inteligência artificial (IA) fundado em 2010 - que a Google
adquiriu em 2014 - e que estava à procura do seu primeiro diretor de
operações.
“Trinta anos depois
de começar a minha carreira, eu realmente queria ser muito
intencional sobre qual seria o próximo capítulo”, diz Lila
Ibrahim.
“Mas quando se tem a
oportunidade de trabalhar numa tecnologia tão transformadora... como
é que se pode dizer não? Por isso, comecei a conversar, mas de
forma muito lenta e intencional. Queria perceber qual era a visão
dos fundadores sobre o que eu podia tornar possível e quais eram os
riscos.”
No total, Lila Ibrahim
diz que passou 50 horas a fazer entrevistas para o cargo, enquanto
ponderava a perspetiva de entrar no excitante, mas muitas vezes
controverso mundo da IA.
Ia para casa e
aconchegava as minhas filhas à noite e dizia: “Que tipo de legado
vou deixar no mundo? No final do dia, senti que não havia melhor
sítio para construir a IA de forma responsável do que no DeepMind”.
Uma ideia vencedora do
Nobel
A paixão de Ibrahim
pela engenharia foi inspirada pelo seu pai libanês, que ficou órfão
aos cinco anos de idade e que viria a tornar-se engenheiro
eletrotécnico.
“Lembro-me que,
quando eu estava a crescer, ele tinha uns desenhos lindos na
secretária em casa. E depois eu via esses desenhos transformarem-se
em microchips que iam para coisas como pacemakers cardíacos. Por
isso, este miúdo órfão do Líbano teria conseguido salvar a vida
de pessoas através do seu trabalho em pacemakers, tudo através da
engenharia.”
Lila Ibrahim, na foto
com o pai, Shawki Ibrahim, atribui-lhe a inspiração para se ter
tornado engenheira eletrotécnica foto Lila Ibrahim
Motivada pelo exemplo
do pai, Lila Ibrahim avalia o seu trabalho em termos de impacto. No
Google DeepMind, talvez o exemplo mais importante seja o AlphaFold, o
programa de IA da empresa capaz de resolver o que chama “problema
de previsão de proteínas”.
“Uma proteína é um
bloco de construção básico da vida”, explica Lila Ibrahim. “E
se conseguirmos perceber como é que uma proteína se dobra, podemos
perceber a função que tem e, quando se dobra mal, o que é que
correu mal. Por isso, coisas como a doença de Alzheimer e a doença
de Parkinson são problemas relacionados com as proteínas”.
O que normalmente
levaria anos a um investigador humano para obter apenas uma única
proteína, agora acontece em minutos. A empresa também tornou o
AlphaFold open source, o que significa que qualquer investigador em
qualquer parte do mundo pode ter acesso a ele (mais de dois milhões
de pessoas em 190 países já o fizeram, segundos dados do próprio
Google DeepMind). Em outubro, dois dos colegas de Lila Ibrahim
receberam o Prémio Nobel da Química pelo programa.
“Não estávamos à
espera do Prémio Nobel”, diz Lila Ibrahim, “definitivamente não
neste ano”, referindo que o AlphaFold tem apenas quatro anos.
“O AlphaFold é
apenas o primeiro passo”, acrescenta. “Temos uma carteira de
investigação que está a decorrer não só na biologia, mas também
na química, na física e muito mais.”
“Os pioneiros acabam
com setas nas costas”
Nem sempre foi fácil,
diz Lila Ibrahim; mesmo com o AlphaFold, houve períodos em que não
tinham a certeza de que alguma vez funcionaria.
Mas Lila Ibrahim aponta
um momento no início da sua carreira, quando estava na Intel, que
foi muito “transformador” para ela. Depois de ter sido
“esbofeteada” (não literalmente) enquanto trabalhava num projeto
exigente, o então CEO e presidente Craig Barrett, que Ibrahim
considera um dos seus mentores mais valiosos, disse-lhe: “Os
pioneiros acabam com setas nas costas. Você está a abrir um
caminho. Pare de vez em quando. Deixa-me tirar as setas para que
possas correr mais e mais depressa”.
Agora, diz Lila
Ibrahim, está em posição de retirar as setas das costas da sua
equipa, ao mesmo tempo que retira algumas das suas, numa tentativa de
“dar espaço às pessoas para fazerem o que está certo”.
Embora Lila Ibrahim
diga que beneficiou dos seus mentores - que, como salientou, eram
todos homens -, espera que em breve chegue o momento em que ela e
outras mulheres no setor da tecnologia deixem de se sentir estranhas.
“Espero, sem dúvida,
que as minhas filhas e a sua geração ultrapassem os limites do que
significa ser engenheiro, cientista, muito além do que a minha
geração foi capaz de realizar”, afirma Ibrahim.
“Também sinto que é
minha responsabilidade agora, neste papel, neste momento da história,
garantir que não estou apenas a trazer as mulheres, mas a pensar em
trazer outras pessoas - seja em termos de género, diversidade
geográfica, diversidade étnica... Para se ter o impacto na
sociedade que é necessário, precisamos de vozes diversificadas
desde o início.” Fonte: cnnportugal.